Anderson Maycon Tavares Lameira (1)
Otávio do Canto (2)
Ricardo Ângelo Pereira de Lima (3)
Resumo:
A forte experiência adquirida pelo Brasil nos últimos 40 anos na produção de alimentos, fortalecida pelos investimentos realizados em pesquisas para melhorar a qualidade genéticas das variedades de grãos utilizados no país, o avanço de técnicas de produção aliados a transformação do território em um grande celeiro de grãos fez com que o Brasil se destacasse como um forte produtor e exportador de alimentos. A soja é sem dúvida o grão mais cultivado no país, a grande produção é justificada pela forte demanda de mercados como a China que utilizam o grão para a produção de ração animal. A diversidade de usos apresentada pela soja, que vai do consumo humano, passando pelo alimento animal até a geração de biocombustíveis envolve vários módulos do sistema produtivo, no Brasil a pulverização desse grão inseriu no mapa produtivo áreas sem tradição agrícola, mas que possuíam potencial e estavam dentro de um contorno geoestratégicos para tal fim.
Palavras-chave: Soja. Fronteira. Exportações.
Introdução
Na busca por atender as demandas por alimentos, sobre tudo do mercado internacional, o Brasil vem se destacando na produção de grãos, soja, arroz e milho, principalmente. Dentre esses produtos a soja é a que mais ganha espaço, principalmente pelo papel desempenhado no campo alimentício em virtude do elevado teor de proteína e lipídeos e ser uma comoditties mundial. Dentre os principais derivados o farelo se tornou o principal componente para a produção de ração animal e o óleo vegetal está presente na alimentação humana, contudo a soja também já vem sendo utilizada na produção de combustíveis.
Nas últimas três décadas a produção de soja vem ganhando destaque no cenário nacional, fato este confirmado em 2016 onde o Brasil produziu mais de 99 milhões de toneladas do grão
(4) em pouco mais de 33 milhões de hectares. A área plantada com soja representava 56% do total da área plantada no Brasil e se consolidou como o principal produto de exportações agrícola nacional.
As experiências mais relevantes com o cultivo do grão tiveram início na região Sul (5), tendo a década de 1970 um marco temporal muito importante para a expansão da atividade, a busca por novos espaços levou a atividade a ocupar a região centro-oeste, transformando-a na maior produtora de grãos do País, sendo o estado do Mato Grosso o maior produtor do grão, somente na safra 2015/2016 o estado foi responsável por cerca de 26 milhões de toneladas, o equivalente a 1/4 do que foi produzido de soja no Brasil nesse período.
A expansão da soja para a região centro-oeste também é marcada por novas formas de organização espacial, principalmente no que tange ao tamanho médio das propriedades, segundo afirma Fernandez 2007, a atividade era desenvolvida em pequenas propriedades no sul do país, com média de 16,8 hectares enquanto que na região centro-oeste a média das propriedades ultrapassava 660 hectares. Esta característica presente no centro-oeste brasileiro impacta diretamente na utilização do bioma cerrado, que passa a ser fortemente utilizada para o desenvolvimento da lavoura de soja.
O presente trabalho faz uma reflexão sobre o processo de expansão da soja no Brasil e como o processo de modernização deste cultivo incorporou novas terras ao processo produtivo, englobando regiões com parcas tradições agrícolas, porém enxergadas como pontos modais nas rotas de exportações produto agrícolas, como é o caso do estado do Amapá.
Do mundo para o Brasil.
É do final do século XIX, mais precisamente 1882 o primeiro registro oficial sobre o cultivo de soja no Brasil, estabelecido no estado da Bahia, onde de forma experimental foi cultivada por um agricultor na expectativa de adaptar a variedade advinda dos EUA. O primeiro registro oficial foi publicado no Boletim do Instituto Agronômico de Campinas – IAC em 1989 pelo professor Gustavo D’Ultra da Escola de Agronomia da Bahia (FERNÁNDEZ, 2007).
Após a primeira experiência, mal sucedida, em solo nacional, outros registros foram feitos, já no século XX, em São Paulo, os responsáveis foram os imigrantes japoneses que plantavam a soja em pequenas hortas domesticas com o intuito de produzir de alimentos tradicionais da cozinha oriental. Na região sul do Brasil, a soja foi introduzida no mesmo período, mas foi a partir de 1935, que a produção começa a ser intensificada. Entre o período que se estendeu entre 1940 e 1970 a produção de soja praticamente se restringia somente ao estado do Rio Grande do Sul (FERNÁNDEZ, 2007).
Inicialmente a utilização desse produto se restringia a alimentação animal e como forrageira, a partir de avanços tecnológicos foi possível identificar o alto valor proteico e de lipídeos favorecendo a sua utilização na produção de ração para animais e para a produção de óleos vegetais utilizados na alimentação humana. Essa evolução ligada a sua utilização também beneficiou o interesse para o cultivo do alimento.
A expansão da soja no Brasil está ligada sobretudo ao avanço tecnológico, fato este que ficou conhecido como Revolução Verde, segundo Schlesinger (2008) a utilização de agroquímicos e a ampla utilização de maquinários agrícolas, fortemente apoiado pelo governo através de créditos subsidiados, favoreceu a produção de soja em escala comercial, estas ações marcaram a história da produção de soja no país, o autor também chama atenção para a utilização do grão como produto a ser usado como cultura de rotação no período do verão nas plantações de trigo no sul país, passando a ocupar espaços ociosos periodicamente.
Os resultados apresentados pela utilização de soja como cultura rotativa ao trigo foram satisfatórios, já na década de 1970 o Brasil vê nas exportações de soja para o mercado internacional uma saída para minimizar os impactos negativos na balança comercial gerados principalmente pela elevação do preço do petróleo. O Governo acabou apoiando o avanço da soja em território nacional, expansão essa marcada principalmente pela concessão de créditos subsidiados, aplicação de recursos na melhoria da infra-estrutura e especialmente por investimentos em pesquisas (SCHELESINGER, 2008).
Outra marca registrada da influência governamental para o grande avanço da soja no Brasil foi a criação da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuária – EMBRAPA em 1973, instituição voltada para o apoio de projetos agropecuários e desenvolvimento de tecnologias para o campo. Em 1975 foram criadas a EMBRAPA Soja e a EMBRAPA Cerrado, a primeira tinha o objetivo de possibilitar o desenvolvimento do grão em todo o país, a segunda estava voltada para a geração e difusão de tecnologias que proporcionassem a ocupação do cerrado brasileiro (BICKEL, 2004).
O avanço tecnológico foi fundamental para a dispersão da soja para outras regiões, o melhoramento genético voltado para a busca de novas variedades e o desenvolvimento de técnicas apropriadas para o desenvolvimento da agricultura no cerrado estão ligados a essa equação, entretanto a criação da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER é também mais um elo dessa corrente, pois foi responsável por disseminar e auxiliar os produtores rurais na utilização dos avanços tecnológicos do período (BICKEL, 2004).
O início do desenvolvimento da agricultura de grão, especialmente de soja, no centro-oeste brasileiro também é marcado por ações governamentais, programas como o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados – POLOCENTRO criado em 1975 e o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira de Desenvolvimento dos Cerrados – PRODECER criado em 1974 estão entre os elementos fortalecedores dessa atividade.
O PRODECER é o resultado de um convênio firmado entre Japão e Brasil em 1974, que tinha como objetivo a injeção de recursos financeiros para o aperfeiçoamento da produção de grãos no cerrado. Este acordo foi estimulado principalmente pela queda da produtividade internacional despertando nos japoneses a necessidade de buscar novos fornecedores de alimentos, o programa tinha como público alvo principalmente médio proprietários que se dedicassem a somente a produção de grãos (PARANAIBA, 2012).
O programa POLOCENTRO se assemelhava bastante ao PRODECER, tinha como objetivo o desenvolvimento da agricultura na região centro-oeste visando uma ocupação e utilização racional e ordenada daquele espaço comportando uma produção em escala empresarial. O programa oferecia uma linha de credito com juros muito baixos e possuía uma diversificação de implantação, os recursos poderiam ser utilizados para: cobrir despesas com a regularização fundiária, desmatamento, eletrificação rural, aquisição de equipamento, entre outros (PARANAIBA, 2012).
Com o estimulo exacerbado do governo para a expansão da soja por todo o Brasil, o centro-oeste, o cerrado, vira a nova fronteira agrícola daquele período. Os avanços tecnológicos, os incentivos financeiros aliados a abertura de uma nova fronteira agrícola, caracterizada principalmente pelos baixos custos para a aquisição de terras transformaram os estados do centro-oeste em verdadeiros celeiro produtivos. Contudo as disponibilidades de créditos aos agricultores tiveram também seus problemas, segundo Bickel (2004)
As políticas de crédito subsidiado implementadas entre 1970 e o início da década 1980 beneficiaram, significativamente, aos agricultores modernos e politicamente mais influentes. Entretanto, um problema observado foi o endividamento de parte dos beneficiários do Prodecer II e III, devido à inflação e aos juros elevados durante as turbulências econômicas dos anos 80. Com a recessão e o necessário ajuste macro-econômico dos anos 80, a disponibilidade de crédito, bem como sua parte subsidiada, foram gradativamente reduzidas (Bickel, 2004, p. 20).
Com a consolidação da agricultura nos estados do centro-oeste brasileiro sendo concretizada, restava aos “novos agricultores” buscarem novos eixos de ocupação, dessa forma outros vetores eram construídos e desenhados, vetores esses que estavam direcionados para o norte do país, para as Amazônias. Esta região que já comportava a indústria madeireira, empreendimento pecuários e minerais também tinham seus fragmentos de cerrado reclamados à recepcionar a monocultura de grãos.
Do centro-oeste para às Amazônias. (6)
A década de 1990 marca a chegada da soja na região norte, a adaptação do cerrado para atividades agropecuárias elevou a pressão sobre o bioma, os preços que eram cobrados pela terra se elevaram provocando altas consideráveis que refletiam nos custos de produção. A procura por novos espaços, aumentou o interesse pela criação de uma nova fronteira agrícola (7). É com a entrada da soja no estado do Mato Grosso que a Amazônia tem o seu espaço aberto para o início da atividade (COSTA, 2012).
Segundo Costa (2012)
Um dos fatores mais importantes que contribuiu para a rápida expansão das lavouras de soja nos estados amazônicos foi o grande “estoque” de terras, com características favoráveis à implantação das lavouras comerciais, a preços reduzidos. O mercado de terra nas áreas de fronteira sofre grande influência da ação dos agentes locais, que atuam no sentido de reduzir a mobilização de capital na aquisição de novas áreas. (COSTA, 2012, p.02)
O ciclo produtivo da soja na Amazônia se utilizou de áreas já degradadas, principalmente pastagens abandonadas, isso seria um bom sinal se houvesse apenas a substituição da atividade, mas de fato o que ocorria, ou ainda ocorre, é a simples substituição e consequentemente a migração da atividade pecuária para áreas virgens.
Em áreas de floresta amazônica, o plantio de soja tem se concentrado em áreas de pastagens, reduzindo assim os custos de implantação desta monocultura. Entretanto, a ocupação de áreas de pastagem está deslocando a pecuária para novas áreas de floresta, o que representa um estímulo indireto ao desmatamento (ALENCAR et al. 2004, p. 14).
As primeiras plantações de soja na região norte se estabeleceram nos estados do Pará, Roraima e Amazonas, primeiramente o interesse estava voltado para os fragmentos de cerrado desses estados e aos poucos foi se voltando para áreas de floresta densa já convertidas e abandonadas tanto pela pecuária como pela agricultura familiar (BICKEL, 2004). A consolidação da atividade econômica na região vem provocando efervescentes conflitos socioambientais inerentes ao avanço da atividade, que pressiona, expropria e açoita a população desses locais.
Segundo Costa (2012) uma dos fatores que favoreceram o início da sojicultora na Amazônia é o que ela denomina como de “estoque de terras”, na região a dificuldade, ou até mesmo a falta de disposição do governo em dar destinação (8) a territórios, mantendo-os sob a tutela das instituições públicas provocaram grandes pressões sobre essas regiões, áreas onde a densidade demográfica eram baixas ou quase nula, ou até mesmo territórios que já haviam sofrido intervenções, a exemplo de pastagens abandonadas, justificam o avanço da atividade.
A aquisição de terras na fronteira agrícola, favoráveis para o desenvolvimento da atividade, diminui consideravelmente os custos de capital empregados na aquisição ilegal de novas áreas, favorecendo assim o direcionamento desses recursos para o processo produtivo. É durante o processo de apropriação da terra que um ilícito bastante conhecido é praticado, na tentativa de legitimar a posse de áreas para o plantio de grãos, a grilagem de terras públicas é realizada, e em boa parte dos casos conta com a facilitação de agentes públicos e privados.
O processo de grilagem de terras públicas acaba acontecendo de forma linear, as atividades se sucedem, extração de madeira, pasto e agora soja, segundo o IPAM (2006)
A pecuária e, mais recentemente, a soja são, na maior parte do tempo, sucedâneas da extração madeireira e consolidam a privatização de áreas públicas. O esgotamento da madeira conduz ao loteamento e à revenda de terras (não tituladas ou até em terras indígenas, como no caso dos Apiterèwa), cujos lucros muito freqüentemente financiam os custos da expansão da pecuária (IPAM, 2006, p. 35).
Com o crescimento desenfreado da atividade agropecuária na Amazônia, em especial da agricultura de grãos, novas áreas passam a ser cooptadas pelo capital agrícola. Estados que não despertavam interesse dos produtores, principalmente por deficiências em relação a infraestrutura e estarem fora dos eixos de escoamento da produção, começam a provocar o interesse em suas terras, desta forma uma “nova fronteira agrícola” na região norte começa a ser disputada.
O atual modelo agrícola, historicamente implementado no cerrado, mormente na região centro-oeste, nas últimas décadas vem sendo orientado por vetores de expansão direcionado para as amazônias, apresentando-se como a “salvação para o desenvolvimento do campo”. Esse modelo pouco sustentável ameaça à biodiversidade da região, uma vez que devasta ou estimula a devastação de grandes áreas verde, traz consigo problemas sociais graves, banalizados pelo estado sob o estigma de números e cifras.
A produção agropecuária representa hoje grande parte do que é produzido no país, somente no ano de 2015, período marcado por forte crise financeira no Brasil, o PIB agropecuário teve alta de 1,8%, enquanto o PIB nacional sofreu retração de -3,8% comparado ao ano anterior. Nesse ano o PIB do agronegócio registrou a soma de R$ 263,6 bilhões elevando o percentual 21,4% para o patamar 23% do PIB nacional (NOVAES, 2016).
As atividades agropecuárias são muito dinâmicas e fortemente imbrincadas aos movimentos do mercado respondendo a cada agitação ou ação, de fato nos últimos anos a Amazônia se transformou em território da agricultura comercial, aos poucos a atividade vai se infiltrando pelas brechas da floresta na tentativa de ganhar ainda mais espaço. A organização territorial da região, por hora, obriga a atividade a buscar novos lugares e é nessa busca intensa por espaço que o Amapá se apresenta como trincheira a ser superada na floresta.
Ao longo das últimas três décadas, a pressão sobre os recursos naturais e principalmente sobre o espaço amazônico tem se tornado um atrativo para várias atividades ligadas ao campo. Fatores como a grande reserva de áreas, a fragilidade no sistema de fiscalização dos recursos, a precariedade do processo de regulação do solo e principalmente os baixos preços cobrados pela terra tem favorecidos o estabelecimento de empreendimentos do ramo agropecuário (COSTA, 2012).
Amapá: uma nova fronteira agrícola.
Desde a década de 1970, o Brasil começou a registrar fortes migrações internas estimuladas principal pela busca de novas áreas que pudessem suportar a pratica da agricultura de grãos, sendo o principal deles a soja. O notório conhecimento obtido pelos sulistas, que já haviam adquiridos décadas de experiências somou-se aos investimentos em pesquisas e tecnologias fortemente estimuladas pelo Governo Federal que ao longo tempo adotou um modelo agroexportador elegendo a soja um de seus principais produtos de mercado, incitou a abertura de novas fronteiras de produção.
Com tomada do centro-oeste pela a agricultura moderna, fomentada tanto pelo capital público como pelo privado o desenvolvimento do cultivo de soja não demorou a se expandir, segundo Hasse (1996)
Segundo o Censo Agropecuário do Brasil, a área de lavouras cresceu de 19 milhões de hectares em 1950 para o máximo de 55 milhões em 1989. O maior crescimento individual foi o da soja. Nenhuma planta, nem mesmo o café, avançou tão rapidamente no Brasil. Foi como uma explosão. Ela chegou ao primeiro milhão de hectares em 1970 e, apenas 15 anos depois, já cobria 10 milhões de hectares. Em 1989, bateu recorde de área, com mais de 12 milhões de hectares (HASSE, 1996).
A rápida ocupação territorial do centro-oeste pela soja não demorou a provocar a abertura de novas fronteiras (9), a proximidade com a Amazônia, sua localização estratégica para o escoamento do produto, a ocupação de áreas desocupadas utilizadas anteriormente pela agricultura ou pastagem e o grande estoque de terras favoreceram o rápido crescimento da atividade (COSTA, 2012), atualmente a região norte superou 1,5 milhão em área plantada com o grão (IBGE, 2017).
A ocupação do espaço amapaense pela soja, transformou-o em uma região de novas oportunidades para o agronegócio de grão o elevou a um outro patamar, o de fronteira agrícola. O principal alvo do agronegócio no Amapá é o cerrado, tido como espaços vazios, desocupados, estas áreas passaram a serem trabalhadas como novas fronteiras agrícolas em virtude do aperfeiçoamento técnico-cientifico que possibilitou incorporar esses espaços na agricultura nacional.
Entende-se por fronteira agrícola o movimento de atividades que (re)qualifica novas áreas, estimuladas pelo avanço tecnológico que equilibra as variáveis presentes na agricultura comercial, outros elementos também chamam atenção para esse deslocamento, principalmente no que concerne a logística que muitas vezes inviabilizam o desenvolvimento da atividade (BERNARDES, 2006).
O deslocamento da atividade na direção da franja da fronteira agrícola também pode ser justificado pela entrada do Amapá na rota de exportações de grão, que o requalificou e o incorporou na nova frente de produção da região norte. Isso também legitima a retomada da atividade no Estado, que teve seu início registrado em 2002, cultivando arroz de forma experimental e se reestabelecendo apenas no final de 2012 refletindo apenas no ano seguinte os primeiros números da safra de soja no Amapá.
Essa lacuna de tempo que diz respeito a entrada e a retomada da agricultura de grãos foi necessária para que alguns ajustes fossem feitos, a principal região produtora de soja no Amapá está localizada entre os municípios de Macapá e Itaubal, que carecia de infraestrutura, principalmente a rodoviária, que dificultaria o escoamento da produção, podemos citar como obras estruturantes a pavimentação parcial das rodovias AP - 070 e AP - 340.
Regulação e logística:
Também é durante esse período que ações voltadas para a fixação da atividade foram tomadas, dentre elas a edição de legislação apropriada, que flexibilizaria o processo de licenciamento, visando diminuir a burocracia e dar celeridade na emissão de licenças para atividades. A licença ambiental única – LAU é uma modalidade de licenciamento editada para atender basicamente atividades agrosilvopastoris e minerais de pequeno e médio impacto ambiental. A edição dessa legislação também desobrigou a comprovação de títulos de domínios das propriedades que seriam objetos desse tipo de licenciamento, documento esse que para outros tipos de licenciamento era obrigatório.
Podemos considerar também outros ajustes realizados durante esse período de inercia produtiva, ações de fortalecimento agroestratégico (10) marcada pela criação e implantação da Companhia Norte de Navegação e Portos - CIANPORT (11), empresa do ramo de logística instalada no município de Santana. Esse projeto empresarial deve operar barcaças com capacidades de 3 mil toneladas, que irão interligar os terminais de Santana-AP e Miritituba-PA, dando origem a uma nova matriz multimodal responsável por escoar os grãos produzidos na região da BR - 163.
Dentro desse arranjo modal está previsto a materialização de um Terminal de Uso Privado – TUP, na Ilha de Santana, local onde a empresa possui cerca de 20 hectares de terras ondem pretendem montar suas instalações que devem contar com equipamentos para descarga, esteira transportadora, estrutura para carregamentos de navios, armazéns para grãos e indústria de processamento.
O empreendimento faz parte de um arranjo logístico, que busca diminuir os custos com o escoamento das comoditties produzidas na região centro-oeste e ao longo da BR-163, passando pelo porto de Miritituba, localizado no município de Itaituba, no estado do Pará até seu mercado consumidor. Como parte desta estruturação o Porto de Santana, já recebeu a construção de 3 silos com capacidades de armazenamento de 18 mil toneladas de grãos.
Outros motivos também podem ser apontados para justificar esse período de transição, além do fator infraestrutura, a ausência de organizações produtivas e vantagens competitivas também influenciaram nesse sistema. O fator terra também pode ser considerado, é durante esse intervalo que os arranjos fundiários foram sendo formatados, tendo em vista que uma das características da sojicultura é o grande latifúndio.
A transformação do campo no Amapá é notória, principalmente no cerrado, principal alvo dessa atividade, mas é ao longo da rodovia AP-070 que essas transformações ficam mais perceptíveis, as áreas onde antes eram formadas por pequenas propriedades com características familiares, cederam espaço para o cultivo de grãos onde visualmente é dificultoso a identificação dos limites das novas propriedades. O aparecimento de grandes propriedades no cerrado do Amapá, gera desconfiança, os baixos preços cobrados pela terra, possibilitou a formação de grandes áreas por compra, contudo paira sobre algumas áreas a possibilidade de terrem sido griladas, ação facilitada em virtude do deficiente sistema de fiscalização e destinação das instituições competentes.
Do Amapá para o mundo: na rota de exportações de grãos, “um prolongamento da BR-163”.
A rodovia BR 163 é considerada a maior rodovia em extensão do país, com aproximadamente 3.467 km, na década de 1970 teve início sua construção ainda durante o Regime Militar. A rodovia inicia no estado do Rio Grande do Sul, passando por Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, se estendendo até o município de Santarém, que se destaca como importante polo portuário no estado do Pará.
Esta rodovia vem se apresentando como importante corredor de escoamento de produtos oriundos do centro-oeste direcionados tanto para a região sul, para portos localizados no estado do Paraná e para a região norte, este último com destaque para os portos de Miritituba-PA, localizado no município de Itaituba, Porto de Santarém, no município de Santarém ambos localizados no Rio Tapajós estado do Pará e o Porto de Santana, localizado no município de Santana, canal norte do Rio Amazonas estado do Amapá.
Os grandes investimentos logísticos empregados nessa região transformaram-na em uma grande força de atração redirecionando o vetor de exportação de grãos, principalmente pela diminuição de custos de transportes rodoviária, deixando assim os produtos nacionais mais competitivos para disputar espaços em mercados internacionais, entretanto os investimentos em infraestrutura rodoviária não acompanharam os investimentos realizados, a BR-163 sofre com o descaso do Governo Federal, parte desta rodovia compreendida entre o Mato Grosso e o estado do Pará, algo próximo dos 192 km não está pavimentado o que gera graves transtornos para a atividade.
Os fatores tempo e distancia influenciam na opção pelo vetor de exportação, um exemplo é o transporte de grãos oriundos de Sorriso – MT, principal produtor do centro-oeste, caso a opção de transporte seja feita em direção ao porto de Santos – SP a distância a ser percorrida é de aproximadamente 2.000 km, se a opção for os portos localizados no interior do estado do Pará, a exemplo de Santarém, a distância se aproxima dos 1.360 km, representando uma diminuição equivalente a 35% da distância a ser percorrida.
É claro que o fator infraestrutura ainda é um enorme obstáculo a ser superado, as dificuldades que o trecho que cruza o estado do Pará apresenta, principalmente com a falta de pavimentação gera grandes prejuízos para os transportadores, durante o período seco os perigos são atenuados principalmente pela presença de buracos e poeira, e durante o período invernoso os atoleiros representam os maiores empecilhos para escoar a safra de grãos via região norte.
Os lentos investimentos em infraestrutura rodoviária na BR-163 também repercutem no estado do Amapá, tendo vista que ainda não foi possível ser concretizado os investimentos que são previstos para a implementação de macroinfratrutura de logística, e sobre tudo a possibilidade de se instalar no estado empresas esmagadoras que iniciariam o processo de verticalização da produção no estado. O porto de Santana já recebe embarcações de outros estados com carregamentos de soja, principalmente do estado do Amazonas com destino ao município de Barcarena no estado do Pará.
É possível que os investimentos logísticos possam ser implementados a medida que o potencial do estado seja utilizado em sua plenitude, segundo o ZEE Cerrado, estimasse que possam ser incorporados algo em torno de 400 mil hectares de cerrado. A entrada na soja nos campos do Amapá também pode representar uma mudança no sistema produtivo, principalmente no campo, representada pelo cultivo de soja em áreas antes ocupadas por eucalipto.
Recentemente a empresa AMCEL maior detentoras de terras no cerrado central do estado anunciou a incorporação de 20 mil hectares de terras para produção de grãos, essa atitude pode fortalecer a produção de alimentos no Amapá, segundo os diretores da empresa também é possível que o novo projeto produtivo se estenda para o setor de produção de energia com processamento de biomassa (12).
Considerações finais e recomendações.
A presença da agricultura comercial nas amazônias já é um fato concreto, a busca por novas áreas para a apropriação e expansão da atividade, principalmente para atender demandas externas, não tem barreiras, o Amapá está inserido no que se entende como a última fronteira para o agronegócio, embora a atividade ainda busca sua consolidação.
Embora o momento diferenciado vivido pelo Amapá no que concerne à agricultura de grãos seja entendido como embrionário, em virtude da sua fase de instalação ainda está sendo planejada, outros elementos que correspondentes ao circuito produtivo começam a refletir horizontes mais promissores para o desenvolvimento da atividade no estado.
Obras de infraestrutura demonstram o direcionamento dado pelo estado perante ao agronegócio, a pavimentação das rodovias AP- 070 e 340, melhorou o acesso a uma importante região para a produção de soja, a construção de silos para o armazenamento de grão, a elaboração de um zoneamento para o cerrado com vista para sua ocupação, o estimulo a empresas ligadas a atividade se instalarem no Amapá, em virtude de sua posição geoestratégica, transparece novos horizonte para o estado.
A entrada da empresa AMCEL no mercado de produção de grão, estimulado pelo, sobretudo pelo comercio de alimentos também confirma o direcionamento dado ao setor primário, o Estado também teve papel importante já que desde o ano de 2015 vem articulando estratégias claras para o fortalecimento dessa atividades no Amapá.
O agronegócio já é uma realidade no Amapá, contudo é necessária a elaboração de políticas públicas mais claras, que discutam economia local, mas também se voltem para a realidade socioambiental do estado. É preciso investir em programas de regularização fundiária com vistas ao pequeno proprietário e a comunidades tradicionais do cerrado, vislumbrando minimizar os conflitos sociais baseados na propriedade.
Referencias Bibliográficas
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http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2016/04/safra-de-graos-2015-2016-atingira-209-milhoes-de-toneladas (acesso 03/02/2017).
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PARANAIBA, A. C. Agroindustrialização e incentivos fiscais estaduais em Goiás. 2012. 138 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, Escola de Agronomia e Engenharia de Alimentos.
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - IPAM. A grilagem de terras públicas na Amazônia brasileira. Série Estudos, v. 8. Brasília: MMA, 2006. 108 p.
NOVAES, V. PIB da agropecuária tem alta de 1,8% em 2015. Disponível em: http://bit.ly/28NPCHB.
HASSE, G. O Brasil da soja: abrindo fronteiras, semeando cidades. Porto Alegre: L&PM, 1996.
Notas de rodapé:
1. Geógrafo. Mestre em Gestão dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (PPGEDAM/NUMA/UFPA). E-mail: andersonmaycon@hotmail.com
2. Geógrafo. Professor Titular da Universidade Federal do Pará. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Gestão dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia do Núcleo de Meio Ambiente (PPGEDAM/NUMA/UFPA). E-mail:docanto@ufpa.br
3. Professor Associado I da Universidade Federal do Amapá. Pós-doutorando em Geografia (PPGEO/UFPA).Bolsista FAPESPA/CAPES. Pesquisador do GAPTA/CNPq. E-mail: ricardoangelo_pereira@yahoo.es
4. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) a estimative para a produção brasileira de grãos para 2017 é de 222,9 milhoes de toneladas, sendo 107,6 bilhoes de toneladas somente de soja. Isto significa uma incremento de 12,8% a mais que em 2016. Ver http://www.conab.gov.br/conteudos.php/conteudos.php?a=1252&ordem=produto&Pagina_objcmsconteudos=3#A_objcmsconteudos. <Acessado em 06 de abril de 2017.
5. Os primeiros registros sobre a soja no Brasil datam de 1882, tendo a primeira experiência no estado da Bahia, os grãos eram oriundos do EUA, contudo os estudos não prosperaram em virtude principalmente da falta de adaptação ao clima local (BIKEL, 2004; COSTA, 2012; FERNÁNDEZ, 2007)
6. Na tentativa de referendar as multiplicidades existentes na chamada Região Amazônica, trataremos a mesma no plural, Amazônias, conforme sugerem Maués (1999), Gonçalves (2001) e Lopes (2012), deixando clara a existência de uma heterogeneidade em diversos aspectos, no social, no econômico, nos ambientes físicos. Faz necessário quebrar paradigmas, mudar conceitos, e desvelar a grande importância que as amazônias possuem.
7. É um termo comumente utilizada para caracterizar a ação de ocupação de novas áreas voltadas para a práticas agropecuárias.
8. O termo “destinação” em programas de regularização fundiária visa explicitar a quais finalidades o território irá servir, a exemplo da criação de Unidades de Conservação, implantação de projetos de reforma agraria, demarcação de territórios quilombolas, indígenas ou até mesmo a propriedade privada.
9. Sobre este aspecto, para Bernardes (2006) o termo deve ser entendido “no contexto de mundialização da economia, que institui uma nova divisão territorial do trabalho, a natureza é reavaliada e valorizada de acordo com as novas tecnologias. Em se tratando do cerrado, o mesmo se constitui uma significativa fronteira para a ciência e a tecnologia, onde coexistem interesses diversos de ordem econômica, política e ambiental, envolvendo as escalas local, regional, nacional e planetária” (p.13).
10. Termo utilizado por Almeida (2011), tenta explicitar os diversos mecanismos utilizados pelos agentes do agronegócio na busca pela defesa dos interesses da atividade.
11. A empresa CIANPORT é formada por empresários mato-grossenses: Cláudio Zancanaro, proprietário da Agrosoja e Marino Franz, dono da Fiagril.
12. http://www.sead.ap.gov.br/conteudo.php?id=14286