No dia 17 de abril de 1996, cerca de
1.500 camponesas e camponeses organizados nas fileiras do MST/PA
organizaram uma grande assembleia e decidiram marchar para a capital do
Pará, Belém, para apresentar sua pauta de reivindicações junto ao
Governo do Estado e discutir com o conjunto da sociedade a necessidade
de uma ampla reforma agrária. Dentre os pontos, a desapropriação do
complexo conhecido como Macaxeira. Um mosaico de fazendas que
totalizavam 42 mil hectares situados no Município de Eldorado dos
Carajás. No trajeto, na altura da Curva do “S”, na PA-150, com fome e
sede, decidiram bloquear a rodovia para reivindicar do INCRA mantimentos
e água para continuar sua jornada. Tal ato parou a circulação de
mercadorias e pessoas que vinham tanto de Marabá quanto de Parauapebas
no Pará. Isso deixou os fazendeiros e a Cia Vale do Rio Doce (CVRD)
furiosos, na medida em que não podiam deslocar suas mercadorias e nem
muito menos os carros de valores oriundos da sede da CVRD em Carajás.
Pronto. Estava completa a equação para a
repressão. Ocupações sistemáticas de terra e depois o impedimento do
escoamento de suas mercadorias, impedindo seus lucros. Foi quando se
percebeu a perfeita sintonia entre o capital e o Estado contra a classe
oprimida. Uma ligação telefônica da Vale para o então Governador do
Pará, Almir Gabriel (PSDB), determinou a retirada dos lavradores “de
qualquer maneira da estrada” – depoimento do Coronel da PM Pantoja, um dos coordenadores da Operação. Foi quando dois batalhões da Polícia Militar do Pará se deslocaram para a Curva do “S” e promoveram o massacre: 21 camponeses assassinados e 69 mutilados.
Dentre os depoimentos dos sobreviventes, além da polícia não usar
identificação, foram reconhecidos famosos pistoleiros da região vestindo
a farda da corporação. O mais famoso é um indivíduo de alcunha
“Papagaio” que estava muito bem “ambientado” no interior dos coturnos e
gandolas de propriedade da PM.
Vinte anos depois, o que é que os camponeses e camponesas tiraram como aprendizado depois de tanta gente morta e ferida?
Além das conquistas oriundas de sua luta
direta, a certeza de que somente pela luta do povo organizado é que
ocorrem as transformações sociais. Exemplos de conquistas como a
institucionalização de programas como PRONAF (Programa Nacional de Apoio
a Agricultura Familiar) e o PRONERA (Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária), bem como o aumento considerável de territórios
camponeses através da instalação de Projetos de Assentamentos (PA´s),
são provas concretas de que a ação direta é a única linguagem que o
capital e o Estado entendem.
Contudo, apesar dos acúmulos da luta,
muitos movimentos sociais apostaram que seria possível fazer avançar as
pautas do campo por meio do projeto de governo do PT, baseado no pacto
de classes e no pior tipo de barganha política. Mas a rica história de
luta da classe oprimida sempre nos mostrou que sem pressão popular,
protagonismo e empoderamento das bases, nenhum governo defenderá por si
só as pautas dos de baixo. A natureza do Estado é defender os
interesses dos ricos e poderosos, e toda sua estrutura funciona para
esse propósito, independente de quem exerça o mandato. Assim
como sabemos que, se existe movimento social é porque ainda há luta e
conquistas para se fazer, e seja qual partido esteja no governo, não é
garantia de que faça alguma transformação concreta para o povo.
Não negamos a existência de determinadas
políticas e programas sociais, principalmente para as pessoas mais
atingidas pela seca, fome, miséria. E que estão nestas condições por
conta de todo um processo de continuidade de políticas oligárquicas e
de uma “indústria da miséria”, que também não foi abalada nesses 12 anos
de governo petista. E, apesar dessas políticas sociais, o que se
consolidou de fato no Governo PT foi o modelo do agronegócio, que hoje
bate recordes de exportação de commodities, foi a estagnação da
reforma agrária e o desmonte das políticas públicas para a agricultura
camponesa. Ou seja, o saldo da barganha que o PT fez com o capital não é
nada favorável ao povo do campo e às comunidades tradicionais. Senão,
vejamos:
Foi Lula que abriu as portas para o
plantio de soja transgênica no país. E, quando reeleita, Dilma abre um
tapete vermelho para Kátia Abreu e a CNA no governo;
No primeiro mandato de Dilma a
concentração de terras nas mãos do latifúndio pulou de 238 milhões de
hectares para 244 milhões de hectares. Desde 2003, primeiro ano do
Governo Lula da Silva, foram registrados 529 assassinatos ligados à luta
pela terra e à luta pelo reconhecimento de territórios no Brasil.
Para se ter uma ideia do grau de
concentração da terra no país, a segunda maior etnia indígena do Brasil,
os Guarani Kaiowá (a maior são os Kayapó no Pará), com 45 mil
indígenas, está confinada em 30 mil hectares. Enquanto que no mesmo
estado onde localiza-se a maioria de seus territórios, o Mato Grosso do
Sul, existem 23 milhões de cabeças de gado que se encontram dispersas em
23 milhões de hectares, o equivalente a um hectare para cada animal. O
governo Dilma em 2015 não assinou nenhuma homologação de Terras
Indígenas, mesmo tendo em sua mesa 21 processos de demarcação sem nenhum
questionamento administrativo e/ou judicial.
No Brasil, existem hoje 214 mil famílias
Quilombolas. Destas, 92,5% aguardam titulação de suas terras. Os
quilombolas no Pará vivem com sobreposição de projetos minerários com,
pelo menos, oito empresas e profundamente ameaçados por essas mesmas
firmas. São elas BHP Billinton, Mineração Rio do Norte, Vale S.A., Amazonas Exploração e Mineração, Redstone, Pará Metais.
Como se isso não bastasse, tramita no
Congresso Nacional a PEC 215. Orquestrada pela famigerada Bancada
Ruralista, o projeto materializa um ataque frontal ao povo do campo. Por
esse projeto, caberá ao mesmo Congresso Nacional decidir sobre a
demarcação de terras indígenas e sobre a titulação de terras
quilombolas, o que submete esses processos aos interesses financeiros e
de classe do latifúndio.
Paralelamente, a criminalização das
lutadoras e lutadores também é um fato. No último dia 07 de abril, o
Cacique Babau, dos Tupinambá, foi preso no município de Ilhéus, na
Bahia. Um dia depois, militantes do MST foram encurralados, em Quedas do
Iguaçu, pela polícia do Paraná e por capangas da empresa Araupel, de
propriedade da Suzano Celulose. O resultado foi a assassinado dos
lavradores Vilmar Bordim e Leomar Bhorbak e sete outros camponeses
feridos.
Não podemos esquecer, também, do recente
assassinato de Ivanildo Francisco, em Mogeira (agreste paraibano);
Ivanildo era próximo do MST, do MAB e da CPT. O assassinato de Enilson
Robeiro e Valdiro Chagas, da Liga dos Camponeses Pobres (LCP), no mês de
janeiro em Jaru, Rondônia. Regina Pinho, assassinada em fevereiro de
2013, e, Cicero Guedes, assassinado em janeiro do mesmo ano, no norte
fluminense.
Entendemos que as esperanças do povo
camponês com o que poderia ser o Governo do PT em 2003 foram reais. Mas,
o que não são reais são as políticas do PT para o povo. E o povo não
quer as migalhas que Dilma e o PT oferecem agora aos movimentos sociais e
povos tradicionais, com a destinação de terras para a reforma agrária e
reconhecimento de territórios tradicionais, mas que não têm impacto
algum na brutal desigualdade de concentração de terras nas mãos do
Agronegócio e Latifúndios. Medida que o PT poderia ter feito em seus 12
anos no governo, mas não fez, e só esboça fazer agora apenas pelo
desespero de se manter no governo.
Reforçamos que, nesta data consagrada
pela Via Campesina como o Dia internacional de Luta Camponesa, devemos
reforçar que é com a participação direta das bases na condução das lutas
que conquistaremos e lutaremos por nossos direitos e por uma sociedade
mais justa e igual.
As transformações sociais não virão de cima, mas do caminho construído pelos de baixo. Com Ação Direta e Radicalidade nas Lutas!
https://anarquismo.noblogs.org/
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