domingo, 10 de janeiro de 2016

Enem - Cartografia

Segundo ABNT, a “arte ou ciência de levantamento , construção e edição de mapas e cartas de qualquer natureza” recebe a denominação de Cartografia.

1. RECURSOS UTILIZADOS PARA ELABORAÇÃO DE MAPAS
- Aerofotogrametria
- Sensoriamento remoto
- Geoprocessamento (GIS- sistema de informações geográfica)
- Para obter o sucesso é preciso complementar o trabalho com  dados obtidos em uma pesquisa de campo no local fotografado.

1.1. AEROFOTOGRAMETRIA 
É a elaboração de cartas através de fotografias aéreas.

Avião utilizado na aerofotogrametria
Técnica de aerofotogrametria
1.1.1. ESTEREOSCÓPIO
Instrumento que permite a observação simultânea, através de uma objetiva binocular, de duas imagens de um objeto, obtidas com ângulos ligeiramente diferentes, produzindo a sensação de relevo, de terceira dimensão. 

Estereoscópio
1.2. SENSORIAMENTO REMOTO (SR)
É um conjunto de técnicas e procedimentos que permite monitorar um objeto ou região sem ter contato físico com ele. Nesse sentido, um vôo aerofotogramétrico, uma imagem de satélite ou uma imagem gerada por um drone/VANT são insumos do SR.

Como funciona o satélite

Imagem de satélite

1.3. GEOPROCESSAMENTO
É o conjunto de tecnologias que permite a coleta de dados e a análise de informações sobre determinado tema. Essas tarefas são executadas pelo GIS. O GIS permite a superposição e o cruzamento de informações. Sua principal característica é integrar, em uma única base, informações diversas (imagens, dados cartográficos, dados de censo, etc.), de forma que seja possível consultar, analisar e comparar as informações, além de produzir mapas. É o uso integrado do sensoriamento e o GIS.
Geoprocessamento

2. FORMAS DE REPRESENTAR A TERRA
Melhor forma de representar o planeta




3. TIPOS DE MAPAS

3.1. MAPA FÍSICO
Representa aspectos naturais/físicos do local mapeado, como por exemplo: a vegetação, o clima, o relevo, dentre outros.


3.2. MAPA HUMANO
Representa aspectos humanos/antrópicos do local mapeado, como por exemplo: migrações, divisão política, renda per capita, dentre outros.

4. O QUE SÃO AS PROJEÇÕES CARTOGRÁFICAS?
Os sistemas de projeções constituem-se de uma fórmula matemática que transforma as coordenadas geográficas, a partir de uma superfície esférica, em coordenadas planas, mantendo correspondência entre elas.

O uso deste artifício geométrico das projeções consegue reduzir as deformações, mas nunca eliminá-las.


Os paralelos são linhas imaginárias que contornam a Terra paralelamente à Linha do Equador, que “corta” a Terra ao meio, ocasionando a divisão entre os hemisférios (meia esfera) norte e sul. Os paralelos mais conhecidos são o Trópico de Câncer e o Trópico de Capricórnio. Através dos paralelos podemos determinar a latitude dos lugares.



Os meridianos são linhas imaginárias que contornam a Terra passando pelos pólos. O principal meridiano é o de Greenwich que divide a Terra em hemisférios leste e oeste. Através dos meridianos podemos determinar as longitudes dos lugares.



Planisfério Terrestre

4.1. TIPOS MAIS COMUNS DE PROJEÇÕES
A maioria dos mapas é feita a partir da projeção dos meridianos e paralelos curvos da esfera terrestre numa das figuras geométricas abaixo.

a) PROJEÇÃO CILÍNDRICA
Na projeção cilíndrica, a superfície terrestre é projetada sobre um cilindro tangente ao elipsóide que então é longitudinalmente cortado e planificado.


Nesta projeção os meridianos e os paralelos são linhas retas que se cortam em ângulos retos. Nela as regiões polares aparecem muito exageradas. Os mapas-múndi são feitos em projeções cilíndricas.


b) PROJEÇÃO CÔNICA
Na projeção cônica, a superfície terrestre é projetada sobre um cone tangente ao elipsóide que então é longitudinalmente cortado e planificado.


Nesta projeção os meridianos convergem para os pólos e os paralelos são arcos concêntricos situados a igual distância uns dos outros. São utilizados para mapas de países de latitudes médias.




c) PROJEÇÃO AZIMUTAL
São projeções sobre um plano tangente ao esferóide em um ponto. No tipo normal (ou polar), o ponto de tangência representa o pólo norte ou sul e os meridianos de longitude são linhas retas radiais que partem deste ponto enquanto paralelos de latitude aparecem como círculos concêntricos. 

A distorção no mapa aumenta conforme se distancia do ponto de tangência. Considerando que distorção é mínima perto do ponto de tangência, as projeções azimutais são apropriadas para representar áreas que têm extensões aproximadamente iguais nas direções norte-sul ou leste-oeste.
Projeção Azimutal Centrada na Cidade de São Paulo


4.2. CARACTERÍSTICAS DAS PROJEÇÕES
Eqüidistantes – mantém as distâncias lineares (a partir de um centro), mas apresentam distorções nas áreas e nas formas.
Equivalentes – apresentam formas distorcidas, mas as áreas mantém o mesmo valor da área real (as formas ficam prejudicadas).
Conformes – procuram manter os ângulos, conservando assim as formas terrestres (mas apresentam distorções nas áreas).


4.3. PROJEÇÃO DE MOLLWEIDE

Também chamada de projeção de Aitoff – é uma projeção cartográfica elaborada no ano de 1805 pelo astrônomo e matemático alemão Karl Mollweide (1774-1825), muito utilizada para a elaboração de mapas-múndi atualmente.
A projeção elaborada por Mollweide é do tipo equivalente, ou seja, conserva o tamanho das áreas, mas altera as suas formas. Dessa forma, assim como toda projeção cartográfica, ela apresenta algumas distorções, que aumentam à medida que se afastam do ponto central representado.
Assim, ele construiu uma projeção em que os paralelos eram linhas retas e os meridianos eram linhas curvas, ao contrário do que fizera Mercator, em que as linhas e os paralelos eram igualmente retos. No trabalho realizado por Mollweide, a Terra ganhou uma projeção elíptica com uma exata proporção com a área real da esfera terrestre, tendo os polos mais achatados e as zonas centrais mais exatas.


4.4. PROJEÇÃO DE GOODE

Projeção Descontínua de Goode, também conhecida como Projeção Interrompida de Goode, é uma projeção cartográfica elaborada pelo cartógrafo e geógrafo estadunidense John Paul Goode (1862-1932), em 1916, sendo do tipo cilíndrico e caracterizada por apresentar um mapa-múndi visivelmente deformado em função de “cortes” existentes em áreas oceânicas.

Entre as vantagens dessa projeção, podemos citar a sua utilização para a produção de mapas temáticos concernentes a fenômenos estritamente terrestres, como a distribuição de indústrias e a distribuição das grandes cidades pelo mundo. Entre as desvantagens estão a impossibilidade de se calcular distâncias intercontinentais, representar áreas oceânicas e polares, bem como visualizar toda a massa terrestre em conjunto.


4.5 DIFERENTES VISÕES DO “MUNDO"

MERCATOR X PETERS

n  São os mapas-múndi mais usados.
n  Ambos feitos a partir de projeções cilíndricas.

MERCATOR (1569)            
- Excelente para a navegação.
- É uma cilíndrica conforme.
- Perfeita nos ângulos e formas.
- Distorcido nas áreas, com as terras próximas ao Pólos (elevadas latitudes) desproporcionalmente maiores.
- Coloca a Europa no centro do mapa (Eurocentrismo). 

PETERS (1973)

- Cilíndrica equivalente.
- Perfeito nas áreas (o tamanho de cada nação ou continente)
- Distorcido nos ângulos e formas
- África no centro
  
Propostas de Peters:

1. Valorização do mundo subdesenvolvido, mostrando sua área real.
2. Ressaltar a idéia que por trás de cada mapa, sempre existe um conteúdo Político-Ideológico. 

4.6. OUTRAS VISÕES DE MUNDO

Mundo visto dos EUA

Mundo visto do Japão

Mundo visto do Sul
Mundo visto da Oceania

Observando o Brasil com os próprios olhos


Brasil orientado para o sul

5. ANAMORFOSES
- São mapas esquemáticos, sem escala cartográfica.
- São representações em que as áreas sofrem deformações matematicamente calculadas, tornando-se diretamente proporcionais a um determinado critério que se está considerando.

Vejamos exemplos:

INVESTIMENTOS EM PESQUISA EM 2000


PIB DAS UFs EM 1990


*Material Utilizado nas aulas de Cartografia nas turmas do Pré-Enem do Curso Mérito.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

O que move o 
Estado Islâmico?

Estima-se que o ISIS tenha 31 mil combatentes de 81 países e que 8 milhões de pessoas já vivam sob controle do grupo
No dia 9 de setembro de 2014, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em pronunciamento oficial, autorizava ataques contra o grupo Estado Islâmico (ISIS) na Síria.
A ação militar dos norte-americanos foi apoiada por diversos países ocidentais e do mundo islâmico, como Turquia, Arábia Saudita e Irã.
Num período de seis meses, o ISIS foi capaz de ocupar um território de tamanho equivalente ao Estado da Jordânia, incorporando parte do leste da Síria e do oeste do Iraque, incluindo Mossul, a segunda maior cidade iraquiana.
Colocou em marcha uma campanha sangrenta contra curdos, xiitas e outros grupos étnicos, além de promover e divulgar na mídia cenas de execuções de jornalistas ocidentais.
Conseguiu, desse modo, realizar uma verdadeira façanha, reunindo Estados Unidos, Irã, Turquia, Arábia Saudita e Israel como seus inimigos. Aliás, não se conhece um único Estado, atualmente, que seja seu aliado, pelo menos de forma explícita.
Na verdade, quando o ISIS tomou algumas cidades sírias, em 2012, era apenas mais uma notícia, afinal o governo sírio de Assad era considerado o inimigo maior dos EUA. Mas, quando o ISIS começou a tomar cidades no Iraque e regiões petrolíferas, tornou-se um grande problema.
A Síria, o Iraque e seus países vizinhos estão em alerta máximo. As ameaças às fronteiras da Turquia e, particularmente, em relação à população curda são cada vez maiores. O Líbano colocou suas forças em estado de alerta; Arábia Saudita e os Emirados Árabes, acusados de fomentar o ISIS, sentem-se igualmente ameaçados.
Quem são e o que querem os militantes desse Estado Islâmico? Será que se trata simplesmente de um grupo de fanáticos religiosos que sai matando a esmo, como a mídia internacional quer nos mostrar?
A invasão do Iraque pelos EUA e o consequente desmantelamento do Estado iraquiano são o ponto de partida para compreender as razões da origem do grupo.
Um dos motivos de sua ascensão no Iraque deve-se ao fato do crescente alijamento da população de sunitas, dominado pelo governo do primeiro-ministro xiita Nuri al-Maliki.
Cerca de 20% dos iraquianos, em torno de 6 milhões nas províncias sunitas, foram excluídos do regime. Eles são constantemente perseguidos, não conseguem trabalho, trata-se de uma verdadeira punição coletiva, de jovens desempregados nas aldeias que não têm alternativa a não ser aderir ao ISIS.
Na verdade, a unidade entre a resistência sunita e xiita sempre foi motivo de preocupação para os americanos, que fomentaram, desde o início da ocupação do Iraque, em 2003, as divisões sectárias.
Por que precisamente esse grupo, e não outro (há dezenas deles), conseguiu tirar vantagem dessa situação?
Em suas atividades na Síria, o Estado Islâmico tem focado mais na administração dos territórios que domina do que propriamente na luta contra o regime de Bashar al-Assad.
Desde maio de 2013, quando dominou a cidade de Raqqa, no Rio Eufrates, aplica rigorosamente sua versão da lei islâmica na criação de tribunais da sharia e no cumprimento das penas canônicas contra malfeitores e “apóstatas”. Mais competidor do que aliado, o ISIS distingue-se da marca da Al-Qaeda em dois aspectos fundamentais.
Embora adote uma ideologia sunita radical, que tem como premissa a promoção da jihad contra os “apóstatas” dos regimes políticos do mundo árabe e seus apoiadores estrangeiros, é menos tolerante com seitas islâmicas.
Além disso, não é apenas uma organização jihadista (tanzim), mas reivindica ser Estado soberano de pleno direito (dawla) com ambições expansionistas. Seus líderes comprometeram-se conquistar mais território, até reconstituir o califado, ou império islâmico.
Acredita-se que o ISIS conta com até 31 mil combatentes no Iraque e na Síria, e que, desse total, cerca de 30% faz o “grupo ideológico”, o restante é incorporado pelo medo ou coerção.
São mais de 12 mil estrangeiros de, pelo menos, 81 países, incluindo 2,5 mil de Estados ocidentais.
Muitos dos seus dirigentes são ex-oficiais iraquianos que faziam parte das Forças Armadas de Saddam Hussein, o que ajuda a explicar seu sucesso no campo de batalha, pois permite articular a habilidade militar tradicional às táticas insurgentes de grupos que adquiriram grande experiência nos anos de luta contra as tropas americanas.
Ou seja, diferentemente dos demais grupos insurgentes, é capaz de conjugar com bastante eficiência as características das ações de forças armadas tracionais, coordenando operações militares em grandes áreas, com ações de insurgência e terrorismo de unidades de combate que adquiriram experiência nos últimos anos.
Utilizam grande variedade de armas, leves e pesadas, incluindo metralhadoras montadas em caminhões, lançadores de foguetes, canhões antiaéreos e sistemas de mísseis portáteis superfície-ar, além de contar com tanques e veículos blindados capturados dos exércitos da Síria e do Iraque, originalmente fabricados para os militares dos EUA.
É provável que o grupo tenha uma cadeia de suprimentos flexível que garante fornecimento constante de munições e armas de pequeno porte para seus combatentes.
Por mais que utilize métodos de intimidação naqueles que estão sob seu domínio, o ISIS tenta espalhar a sua mensagem religiosa por meio de pregação pública, além de se esforçar para ganhar o apoio da população nas áreas que conquistou.
Ao assumir o controle de uma cidade, procura administrar a distribuição de água, farinha e outros recursos, além policiar ruas, fornecer eletricidade e fiscalizar o comércio, colocando em prática o que parece ser o início de estruturas quase estatais.
Estabelecem, nos territórios dominados, ministérios, tribunais e até mesmo um sistema de tributação rudimentar, que, segundo alguns, é muito menos espoliativo do que o governo da Síria de Assad.
Estima-se que por volta de 8 milhões de pessoas vivam sob controle total ou parcial do grupo. Esse trabalho de governo requer, por sua vez, recursos financeiros que o Estado Islâmico demonstrou habilidade na produção e exportação de petróleo.
Cerca de 9 mil barris diários de petróleo a preços que variam de 25 a 45 dólares. Relatos de serviços de inteligência avaliam que possui cerca de 2 bilhões de dólares em dinheiro e bens que advêm do uso dos campos de petróleo e gás que controla, bem como de impostos, pedágios, extorsão e sequestro.
A ofensiva no Iraque também tem sido lucrativa, dando-lhe acesso ao dinheiro mantido em grandes bancos em cidades e vilas dominadas.
O fenômeno ISIS pode ser caracterizado dentro daquilo que agentes da CIA denominaram, nos anos 60, de blowback. O termo é empregado para referir-se às consequências desastrosas, e não intencionais operações clandestinas realizadas pelo governo dos EUA com o objetivo de derrubar regimes estrangeiros.
Como se sabe, o grupo terrorista de Osama bin Laden, a Al-Qaeda, originou-se nos campos de batalha do Afeganistão com o auxílio dos EUA.
Blowback é outra maneira de dizer que uma nação colhe o que semeia. O ISIS é mais um na longa lista que os americanos vêm colecionando desde que se tornou grande potência.
*Reginaldo Nasser é professor de Relações Internacionais na PUC-SP
http://www.cartaeducacao.com.br

Arábia Saudita: raízes de um conflito

Obama ao lado do novo rei saudita, Salman bin Abdul Aziz
Vamos imaginar todos os estereótipos degradantes associados ao mundo árabe. Uma monarquia comandada exclusivamente por homens, vestidos com longas túnicas e lenços na cabeça. Bilionários que levam vida faustuosa e depravada, associada ao luxo ocidental. Países em que são proibidos partidos políticos, sindicatos e onde vige uma estrita censura.
Uma autocracia em que não há Constituição e onde a Justiça está subordinada às autoridades religiosas, que condenam cidadãos à chibata, à mutilação e à decapitação. Um reino em que não há separação entre religião e Estado. Nesse reino, as mulheres não podem dirigir ou sair de casa sozinhas, e o uso do véu é obrigatório.
Esse lugar existe? Quem viajar pelo Oriente Médio rapidamente descobrirá que essa descrição é tão distante da região quanto a imagem de um Brasil do samba, futebol e mulheres seminuas, em que as pessoas moram na selva. No entanto, o lugar existe, embora interditado ao turismo: trata-se da Arábia Saudita.
Lá, a associação entre autocracia e fundamentalismo religioso encubou versões belicosas do Islã que estão na origem, entre outros, de organizações como o Taleban, a Al-Qaeda e o Estado Islâmico. E, curiosamente, o reino está nas antípodas do “eixo do mal” imaginado pelo ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush (2001-2009), pois tem sido um bastião da geopolítica estadunidense na região desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
As origens da Arábia Saudita remetem a um movimento islâmico reformista do século XVIII, que, como muitos similares no cristianismo, pregava o retorno a um pretenso purismo religioso.
O fervor puritano do wahabismo, até hoje uma versão minoritária no universo muçulmano, foi instrumentalizado por um clã tribal da Península Árabe, por meio de uma perversão do conceito fundamentalmente religioso (e não político) de jihad.
A “guerra santa” em direção à elevação espiritual foi convertida em expansionismo militar, que pretendia unir a península sob a liderança de um ancestral da família Saud.
No entanto, esse desígnio só se realizaria no século XX, sob auspício inglês. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1919), o Império Turco Otomano aliou-se aos alemães e, nesse contexto, os britânicos instigaram o nacionalismo árabe visando desestabilizar o inimigo. Ao final do conflito, porém, os acenos de independência se frustraram. A região foi dividida entre mandatos franceses e britânicos.
As fronteiras do Oriente Médio são, em larga medida, legado dessa partilha imperial, com exceção da criação do Estado de Israel, em 1949.
A política britânica no Oriente Médio tolerou a independência somente na região menos desenvolvida do esfacelado império, que os árabes se referem como Al-Jazira ou A Península.
Em 1932, Ibn Saud anunciou que o território sob seu comando seria unificado sob um novo nome, Arábia Saudita. É o único Estado do mundo nomeado como propriedade de uma dinastia.
Essa entidade anacrônica garantiu sua perpetuação quando se associou aos Estados Unidos. E o cimento dessa aliança são as maiores reservas de petróleo conhecidas. A partir de 1949, os EUA passaram a importar o produto, considerado matéria-prima essencial do american way of life, além de importante insumo militar. Foi a centralidade do petróleo que determinou a relevância geopolítica do Oriente Médio.
No caso saudita, Esso, Texaco e Mobil formaram a Aramco (Arabian American Oil Company), que comandou a exploração desde 1938. Economia e política deram-se as mãos durante a Segunda Guerra Mundial e foi construída no país a maior base aérea estadunidense entre a Alemanha e o Japão. E a mais próxima das instalações industriais soviéticas.
Quando com a nacionalização do Canal de Suez em 1956 o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser tornou-se um ícone do pan-arabismo e do anti-imperialismo, os sauditas tornaram-se seu principal antagonista. A partir desse momento, organizações religiosas fundamentalistas, como a Irmandade Muçulmana, foram apoiadas pelos Estados Unidos e os reinos árabes, ansiosos em se contrapor ao nacionalismo e ao comunismo.
É essa associação entre Islã e anticomunismo que embasou o financiamento saudita a escolas religiosas no Paquistão, país onde se originou o Taleban. Enquanto os soviéticos ocuparam o Afeganistão, os talebans foram vistos por Washington como “guerreiros da liberdade”.
Nos anos 1990, porém, o cenário mudou. Após o colapso da União Soviética e o refluxo do socialismo, a oposição interna às ditaduras no Oriente Médio passou a ser dominada pelo fundamentalismo religioso, onde outras modalidades de organização estavam interditadas há décadas.
Na Arábia Saudita, essa oposição popular foi inflamada durante a guerra contra o Iraque em 1990, quando seu território foi cedido às tropas ocidentais. O conflito terminou e os americanos não partiram. A realeza saudita foi considerada ímpia por muitos fiéis em razão de sua conexão americana. O feitiço voltava-se contra o feiticeiro e Osama bin Laden, contra aqueles que o nutriram.
Segundo o jornal USA Today, os perpetradores do atentado ao periódico Charlie Hebdo lutaram na Síria para derrubar o governo laico do presidente Bashar el-Assad, um aliado do Irã, da Rússia e da China. Os irmãos Kouachi integraram grupos “rebeldes armados”, eufemismo para denominar mercenários wahabitas treinados e pagos pela monarquia saudita e também pelos Estados Unidos – como no passado foram os talebans. No último trimestre de 2014, Barack Obama submeteu uma lei autorizando a remessa de 500 milhões de dólares aos “rebeldes sírios”, enquanto o presidente francês declarava que seu país enviaria mais armas a esses “rebeldes”.
Visto por esse ângulo, o massacre em Paris é mais uma expressão dos paradoxos da política externa ocidental. Espremidos entre potências que os pintam como fanáticos irracionais e regimes repressores avessos a qualquer mudança, muitos muçulmanos olham para os céus em busca de um horizonte político. Pode ser lamentável, mas não é inexplicável.
*Fabio Luis Barbosa dos Santos é professor de Relações Internacionais na Unifesp.
http://www.cartaeducacao.com.br/aulas/medio/arabia-saudita-raizes-de-um-conflito/

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Entenda as diferenças e divergências entre sunitas e xiitas

Manifestantes iranianos protestam após morte de clérigo
A execução de um importante clérigo xiita iraniano pela Arábia Saudita, reino de maioria sunita, expôs as delicadas relações entre sunitas e xiitas na região.
A Arábia Saudita, de maioria sunita, é rival tradicional do Irã, a grande potência xiita no Oriente Médio, que monitora – com grande interesse – as minorias xiitas em outros países.
O clérigo Nimr Al-Nimr era conhecido por manifestar o sentimento da minoria xiita na Arábia Saudita, que se sente marginalizada e discriminada, e por suas críticas à família real saudita.
Al-Nimr e outras 46 pessoas foram executadas no sábado, após serem condenadas por crimes de terrorismo na Arábia Saudita.
Após as execuções, manifestantes iranianos invadiram a embaixada saudita em Teerã. Na noite de domingo, o governo saudita anunciou o rompimento das relações diplomáticas com o Irã e deu um prazo de 48 horas para que diplomatas iranianos deixassem o país.
Mas o que opõe as duas maiores correntes do Islã? Veja abaixo algumas respostas para entender a questão.

Quais são as diferenças entre sunitas e xiitas?

Peregrinação a Meca, um dos rituais compartilhados entre as duas vertentes do islamismo
A separação teve origem em uma disputa logo após a morte do profeta Maomé sobre quem deveria liderar a comunidade muçulmana.
A grande maioria dos muçulmanos é sunita – estima-se que entre 85% e 90%.
Membros das duas vertentes coexistem há séculos e compartilham muitas práticas e crenças fundamentais.
Apesar de se misturarem pouco, há exceções. Nas áreas urbanas do Iraque, por exemplo, casamentos entre sunitas e xiitas eram comuns até recentemente.
As diferenças entre os dois grupos estão mais nos campos de doutrina, rituais, lei, teologia e organização religiosa.
Seus líderes também parecem constantemente estar competindo entre si.
Do Líbano e Síria ao Iraque e Paquistão, vários conflitos recentes enfatizaram divisões sectárias, dividindo comunidades.

Quem são os sunitas?

Muçulmanos sunitas se consideram o ramo ortodoxo e tradicionalista do islã.
A palavra sunita vem de "Ahl al-Sunna", ou "as pessoas da tradição". A tradição, neste caso, refere-se a práticas baseadas em precedentes ou relatos das ações do profeta Maomé e daqueles próximos a ele.
Um dos centros de aprendizagem sunitas do Islã mais antigos fica no Egito
Os sunitas veneram todos os profetas mencionados no Corão, mas veem Maomé como o profeta derradeiro.
Em contraste com os xiitas, os líderes e professores de religião sunitas historicamente ficaram sob controle do Estado.
A tradição sunita também enfatiza um sistema codificado da lei islâmica e adesão a quatro escolas da lei.

Quem são os xiitas?

Nos primórdios da história islâmica os xiitas eram uma facção política – literalmente os "Shiat Ali", ou partido de Ali.
Os xiitas reivindicavam o direito de Ali, genro do profeta Maomé, e de seus descendentes de guiar a comunidade islâmica.
Ali foi morto como resultado de intrigas, violência e guerra civil que marcaram seu califado. Seus filhos, Hassan e Hussein, viram negado o que achavam ser seu direito legítimo à ascensão ao califado. Acredita-se que Hassan tenha sido envenenado por Muawiyah, o primeiro califa (líder muçulmano) da dinastia Umayyad.
Seu irmão, Hussein, foi morto no campo de batalha com outros membros de sua família, após ser convidado por partidários a ir para a cidade de Cufa (onde ficava o califado de Ali) onde prometeram jurar aliança a ele.
Morte de clérigo xiita expõe tensões entre Irã e Arábia Saudita

Esses eventos deram início ao conceito xiita de martírio e de rituais como a autoflagelação.
Há um elemento messiânico característico nesta fé e os xiitas têm uma hierarquia de clérigos que praticam interpretações independentes e constantemente atualizadas dos textos islâmicos.
Os xiitas seriam cerca de um décimo do total de muçulmanos, entre 120 e 170 milhões.
Muçulmanos xiitas são maioria em Irã, Iraque, Bahrein, Azerbaijão e, segundo algumas estimativas, Iêmen. Há grandes comunidades xiitas em Afeganistão, Índia, Kuwait, Líbano, Paquistão, Catar, Síria, Turquia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

Qual o papel do sectarismo em crises recentes?

Em países que foram governado por sunitas, xiitas tendem a representar os setores mais pobres da sociedade. Eles normalmente se veem como vítimas de discriminação e opressão. Algumas doutrinas extremistas sunitas defendem o ódio aos xiitas.
A revolução iraniana de 1979 lançou uma agenda xiita radical que foi percebida como um desafio por regimes conservadores sunitas, particularmente no Golfo Pérsico.
A política de Teerã de apoiar milícias xiitas e partidos além de suas fronteiras foi adotada por Estados do Golfo, que reforçaram suas ligações com governos sunitas e movimentos no exterior.
Xiitas descontentes deram início a protestos no Bahrein
Durante a guerra civil no Líbano, os xiitas ganharam força política graças às atividades militares do grupo Hezbollah.
No Paquistão e no Afeganistão, grupos sunitas linha-dura, como o Talebã, atacam com frequência lugares de fé xiita.
Os conflitos atuais no Iraque e na Síria também têm fortes tons sectários. Jovens sunitas nos dois países se uniram a grupos rebeldes, muitos dos quais ecoam a ideologia da Al-Qaeda.
Enquanto isso, jovens da comunidade xiita estão lutando pelas – ou com – as forças do governo nestes países.
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160104_diferencas_sunitas_xiitas_muculmanos_lab