No dia 9 de setembro de 2014, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em pronunciamento oficial, autorizava ataques contra o grupo Estado Islâmico (ISIS) na Síria.
A ação militar dos norte-americanos foi apoiada por diversos países ocidentais e do mundo islâmico, como Turquia, Arábia Saudita e Irã.
Num período de seis meses, o ISIS foi capaz de ocupar um território de tamanho equivalente ao Estado da Jordânia, incorporando parte do leste da Síria e do oeste do Iraque, incluindo Mossul, a segunda maior cidade iraquiana.
Colocou em marcha uma campanha sangrenta contra curdos, xiitas e outros grupos étnicos, além de promover e divulgar na mídia cenas de execuções de jornalistas ocidentais.
Conseguiu, desse modo, realizar uma verdadeira façanha, reunindo Estados Unidos, Irã, Turquia, Arábia Saudita e Israel como seus inimigos. Aliás, não se conhece um único Estado, atualmente, que seja seu aliado, pelo menos de forma explícita.
Na verdade, quando o ISIS tomou algumas cidades sírias, em 2012, era apenas mais uma notícia, afinal o governo sírio de Assad era considerado o inimigo maior dos EUA. Mas, quando o ISIS começou a tomar cidades no Iraque e regiões petrolíferas, tornou-se um grande problema.
A Síria, o Iraque e seus países vizinhos estão em alerta máximo. As ameaças às fronteiras da Turquia e, particularmente, em relação à população curda são cada vez maiores. O Líbano colocou suas forças em estado de alerta; Arábia Saudita e os Emirados Árabes, acusados de fomentar o ISIS, sentem-se igualmente ameaçados.
Quem são e o que querem os militantes desse Estado Islâmico? Será que se trata simplesmente de um grupo de fanáticos religiosos que sai matando a esmo, como a mídia internacional quer nos mostrar?
A invasão do Iraque pelos EUA e o consequente desmantelamento do Estado iraquiano são o ponto de partida para compreender as razões da origem do grupo.
Um dos motivos de sua ascensão no Iraque deve-se ao fato do crescente alijamento da população de sunitas, dominado pelo governo do primeiro-ministro xiita Nuri al-Maliki.
Cerca de 20% dos iraquianos, em torno de 6 milhões nas províncias sunitas, foram excluídos do regime. Eles são constantemente perseguidos, não conseguem trabalho, trata-se de uma verdadeira punição coletiva, de jovens desempregados nas aldeias que não têm alternativa a não ser aderir ao ISIS.
Na verdade, a unidade entre a resistência sunita e xiita sempre foi motivo de preocupação para os americanos, que fomentaram, desde o início da ocupação do Iraque, em 2003, as divisões sectárias.
Por que precisamente esse grupo, e não outro (há dezenas deles), conseguiu tirar vantagem dessa situação?
Em suas atividades na Síria, o Estado Islâmico tem focado mais na administração dos territórios que domina do que propriamente na luta contra o regime de Bashar al-Assad.
Desde maio de 2013, quando dominou a cidade de Raqqa, no Rio Eufrates, aplica rigorosamente sua versão da lei islâmica na criação de tribunais da sharia e no cumprimento das penas canônicas contra malfeitores e “apóstatas”. Mais competidor do que aliado, o ISIS distingue-se da marca da Al-Qaeda em dois aspectos fundamentais.
Embora adote uma ideologia sunita radical, que tem como premissa a promoção da jihad contra os “apóstatas” dos regimes políticos do mundo árabe e seus apoiadores estrangeiros, é menos tolerante com seitas islâmicas.
Além disso, não é apenas uma organização jihadista (tanzim), mas reivindica ser Estado soberano de pleno direito (dawla) com ambições expansionistas. Seus líderes comprometeram-se conquistar mais território, até reconstituir o califado, ou império islâmico.
Acredita-se que o ISIS conta com até 31 mil combatentes no Iraque e na Síria, e que, desse total, cerca de 30% faz o “grupo ideológico”, o restante é incorporado pelo medo ou coerção.
São mais de 12 mil estrangeiros de, pelo menos, 81 países, incluindo 2,5 mil de Estados ocidentais.
Muitos dos seus dirigentes são ex-oficiais iraquianos que faziam parte das Forças Armadas de Saddam Hussein, o que ajuda a explicar seu sucesso no campo de batalha, pois permite articular a habilidade militar tradicional às táticas insurgentes de grupos que adquiriram grande experiência nos anos de luta contra as tropas americanas.
Ou seja, diferentemente dos demais grupos insurgentes, é capaz de conjugar com bastante eficiência as características das ações de forças armadas tracionais, coordenando operações militares em grandes áreas, com ações de insurgência e terrorismo de unidades de combate que adquiriram experiência nos últimos anos.
Utilizam grande variedade de armas, leves e pesadas, incluindo metralhadoras montadas em caminhões, lançadores de foguetes, canhões antiaéreos e sistemas de mísseis portáteis superfície-ar, além de contar com tanques e veículos blindados capturados dos exércitos da Síria e do Iraque, originalmente fabricados para os militares dos EUA.
É provável que o grupo tenha uma cadeia de suprimentos flexível que garante fornecimento constante de munições e armas de pequeno porte para seus combatentes.
Por mais que utilize métodos de intimidação naqueles que estão sob seu domínio, o ISIS tenta espalhar a sua mensagem religiosa por meio de pregação pública, além de se esforçar para ganhar o apoio da população nas áreas que conquistou.
Ao assumir o controle de uma cidade, procura administrar a distribuição de água, farinha e outros recursos, além policiar ruas, fornecer eletricidade e fiscalizar o comércio, colocando em prática o que parece ser o início de estruturas quase estatais.
Estabelecem, nos territórios dominados, ministérios, tribunais e até mesmo um sistema de tributação rudimentar, que, segundo alguns, é muito menos espoliativo do que o governo da Síria de Assad.
Estima-se que por volta de 8 milhões de pessoas vivam sob controle total ou parcial do grupo. Esse trabalho de governo requer, por sua vez, recursos financeiros que o Estado Islâmico demonstrou habilidade na produção e exportação de petróleo.
Cerca de 9 mil barris diários de petróleo a preços que variam de 25 a 45 dólares. Relatos de serviços de inteligência avaliam que possui cerca de 2 bilhões de dólares em dinheiro e bens que advêm do uso dos campos de petróleo e gás que controla, bem como de impostos, pedágios, extorsão e sequestro.
A ofensiva no Iraque também tem sido lucrativa, dando-lhe acesso ao dinheiro mantido em grandes bancos em cidades e vilas dominadas.
O fenômeno ISIS pode ser caracterizado dentro daquilo que agentes da CIA denominaram, nos anos 60, de blowback. O termo é empregado para referir-se às consequências desastrosas, e não intencionais operações clandestinas realizadas pelo governo dos EUA com o objetivo de derrubar regimes estrangeiros.
Como se sabe, o grupo terrorista de Osama bin Laden, a Al-Qaeda, originou-se nos campos de batalha do Afeganistão com o auxílio dos EUA.
Blowback é outra maneira de dizer que uma nação colhe o que semeia. O ISIS é mais um na longa lista que os americanos vêm colecionando desde que se tornou grande potência.
*Reginaldo Nasser é professor de Relações Internacionais na PUC-SP
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