sábado, 27 de fevereiro de 2016

Projeção descontínua de Goode

A projeção descontínua de Goode interrompe as áreas dos continentes em benefício das superfícies continentais.

Projeção Descontínua de Goode, também conhecida como Projeção Interrompida de Goode ou Projeção de Homolosine de Goode, é uma projeção cartográfica elaborada pelo cartógrafo e geógrafo estadunidense John Paul Goode (1862-1932), sendo do tipo cilíndrico e caracterizada por apresentar um mapa-múndi visivelmente deformado em função de “cortes” existentes em áreas oceânicas.
Goode trabalhou durante muitos anos sob a preocupação de produzir uma projeção cartográfica que valorizasse as áreas continentais tanto em suas formas quanto em suas áreas. Essa era uma contraposição à projeção elaborada por Mercator, muito utilizada pela navegação por privilegiar as áreas oceânicas.
Dessa forma, em 1916, Goode chegou ao seu resultado, que foi encontrado após segmentar algumas áreas dos oceanos Pacífico, Atlântico e Índico, de forma que a maior parte das terras emersas mantinha-se totalmente conservada, à exceção da Groelândia e da Antártida. Porém, a região noroeste da Ásia teve suas formas distorcidas. Em razão de seu aspecto, a projeção interrompida é comumente associada a cascas de laranja em pedaços sobre uma área plana, uma vez que algumas partes ficam desconectadas entre si, ficando impossível uni-las novamente.
Sabe-se que todas as projeções cartográficas, por serem representações planas de uma área esférica, apresentam inevitáveis distorções, e o caso da projeção descontínua não é diferente. Por esse motivo, ela apresenta algumas vantagens e desvantagens.
Entre as vantagens dessa projeção, podemos citar a sua utilização para a produção de mapas temáticos concernentes a fenômenos estritamente terrestres, como a distribuição de indústrias e a distribuição das grandes cidades pelo mundo. Entre as desvantagens estão a impossibilidade de se calcular distâncias intercontinentais, representar áreas oceânicas e polares, bem como visualizar toda a massa terrestre em conjunto.
A Projeção Descontínua de Goode é, dessa forma, mais um exemplo de como as projeções cartográficas devem ser diferentemente aproveitadas, adequando suas características ao uso que delas será realizado, cabendo ao elaborador dos mapas avaliar os critérios para realizar a melhor escolha possível.
Por Rodolfo Alves Pena
Graduado em Geografia
http://brasilescola.uol.com.br/geografia/projecao-descontinua-goode.htm

Projeção de Mollweide

A Projeção de Mollweide possui a importância de representar corretamente as áreas centrais, distorcendo apenas as regiões laterais e polares.

Projeção de Mollweide – também chamada de projeção de Aitoff – é uma projeção cartográfica elaborada no ano de 1805 pelo astrônomo e matemático alemão Karl Mollweide (1774-1825), muito utilizada para a elaboração de mapas-múndi atualmente.
Trata-se de uma projeção cilíndrica, ou seja, é um tipo de projeção elaborado como se a Terra tivesse sido envolvida em um cilindro, projetando sobre ele os seus paralelos e meridianos, sendo depois desenrolado e representado em um plano.
Projeção de Mollweide
A projeção elaborada por Mollweide é do tipo equivalente, ou seja, conserva o tamanho das áreas, mas altera as suas formas. Dessa forma, assim como toda projeção cartográfica, ela apresenta algumas distorções, que aumentam à medida que se afastam do ponto central representado (observe a figura no início do texto).
Karl Mollweide – muito conhecido não somente pela projeção que elaborou, mas também pelas grandes realizações no campo das equações matemáticas – buscava uma forma de corrigir a Projeção de Mercator, uma vez que essa era muito útil para navegações, porém pouco recomendada para análises sobre os continentes por alterar as suas escalas.
Assim, ele construiu uma projeção em que os paralelos eram linhas retas e os meridianos eram linhas curvas, ao contrário do que fizera Mercator, em que as linhas e os paralelos eram igualmente retos. No trabalho realizado por Mollweide, a Terra ganhou uma projeção elíptica com uma exata proporção com a área real da esfera terrestre, tendo os polos mais achatados e as zonas centrais mais exatas.
Além de ser bastante difundida na elaboração de mapas-múndi, essa projeção também foi muito utilizada em mapas temáticos sobre a comparação de dados entre os continentes (população, renda, áreas agricultáveis etc.), em que a área principal era colocada em destaque na posição central e os locais utilizados como comparação eram postos nas zonas laterais do plano.

Por Rodolfo Alves Pena
Graduado em Geografia
http://brasilescola.uol.com.br/geografia/projecao-mollweide.htm

Projeção de Peters

A Projeção de Peters, também conhecida como Gall-Peters, é bastante conhecida pelo seu caráter político.

Projeção de Peters é uma projeção cartográfica cilíndrica equivalente, ou seja, que mantém a proporção das áreas representadas, mas altera as suas formas. Ela é, muitas vezes, denominada de Projeção Gall-Peters, uma vez que teria sido concebida pela primeira vez por James Gall, em 1885, e retomada na segunda metade do século XX pelo historiador alemão Arno Peters.
Projeção de Peters ou Gall-Peters
Há certa polêmica em torno dessa projeção, uma vez que, além de proposições técnicas, ela também apresenta um cunho político, por ampliar as áreas dos países do sul, cuja maioria dos países é subdesenvolvida, e diminuir as áreas dos países do norte, de maioria desenvolvida. Além disso, nesse planisfério, a África é colocada no centro do mapa, ao contrário da projeção de Mercator, em que a Europa encontrava-se no centro. Frequentemente, essa projeção é alcunhada de “terceiro-mundista”.
No entanto, sua proposta não foi bem recebida pelos cartógrafos de sua época, que elaboraram três críticas principais. A primeira referia-se à falta de cientificidade de sua obra, que abdicava de detalhes técnicos em detrimento de opções políticas; a principal “falha” seria um erro na posição do paralelo 46º 2’ que deveria estar na posição de 45º. A segunda crítica era referente às distorções de sua projeção equivalente, que deixava os continentes mais “finos” no Equador e mais “largos” nos polos, dificultando a localização e o deslocamento. A terceira e mais séria crítica referia-se ao fato de Peters ter supostamente plagiado a verdadeira obra de James Gall, pouco ou nada alterando as suas concepções originais.
Controvérsias à parte, a obra de Peters foi largamente divulgada e difundida em todo mundo, principalmente depois da divulgação de seu atlas, em 1992. Além disso, organizações como a ONU e a UNESCO fizeram amplo uso de seu planisfério, a fim de sensibilizar as populações e os países desenvolvidos acerca das questões dos países subdesenvolvidos, como a fome, a violência e a exclusão social.
As polêmicas e discussões envolvendo projeções cartográficas como a de Peters e a de Mercator são a evidência de que não há uma projeção mais “correta” do que as demais. Cada uma atende a uma finalidade diferente, cabendo ao seu usuário determinar qual é a mais adequada.
Por Rodolfo Alves Pena
Graduado em Geografia
http://brasilescola.uol.com.br/geografia/projecao-peters.htm

Projeção de Mercator

A Projeção de Mercator foi a primeira representação cartográfica que abrangeu todo o globo terrestre, sendo elaborada na era moderna das ciências.


Projeção de Mercator é uma projeção cartográfica cilíndrica elaborada pelo geógrafo, cartógrafo e matemático Gerhard Mercator (1512-1594). É, atualmente, uma das projeções mais utilizadas em todo o mundo.
Mercator nasceu na região de Flandres (atual Bélgica) e foi considerado um dos mais renomados cartógrafos da história, sendo o responsável pela elaboração da concepção do termo “Atlas” como um conjunto de mapas. Foi considerado, por muitos, como o pai da Cartografia Moderna e boa parte de suas obras e trabalhos foi inspirada nos escritos antigos de Ptolomeu, um dos mais clássicos nomes da Geografia e das representações gráficas na Antiguidade.
A sua famosa projeção cartográfica – primeiramente denominada como Nova et aucta orbis terrae descriptio ad usum navigantium emendate accommodata – teve o mérito principal de ser a primeira projeção de mundo elaborada na Era Moderna, ou seja, com a expansão marítima europeia e a descoberta de novos continentes, foi a Projeção de Mercator quem primeiro conseguiu representar o globo esférico da Terra em um plano.
Projeção de Mercator em uma reelaboração gráfica realizada em 1860
A projeção de Mercator é do tipo conforme, isto é, conserva o formato dos continentes, mas altera a dimensão de suas áreas. Ela divide o planeta em 24 meridianos e 12 paralelos (os mesmos elaborados para estabelecer os fusos horários), igualmente espaçados e distribuídos sobre a camada terrestre.
Como a Terra é esférica, a distância mais curta a ser percorrida sobre a sua superfície não é uma reta, mas uma curva, que recebe o nome de loxodrômica. O principal mérito da projeção de Mercator foi a sua capacidade de representar uma loxodrômica cartograficamente como uma reta. Por esse motivo, sua obra é amplamente utilizada para a navegação até os dias atuais.
Assim como toda e qualquer projeção que objetive representar em um plano a esfera terrestre, a carta de Mercator apresenta algumas distorções. Como já dissemos, essas distorções ocorrem no tamanho das áreas dos continentes, de forma que elas se tornam mais evidentes à medida que nos aproximamos dos polos. Observe a projeção abaixo:
Projeção de Mercator atualmente utilizada
É possível notar, por exemplo, que a Groelândia, no mapa, está basicamente do mesmo tamanho do Brasil, sendo que, na verdade, sua área é 4 vezes menor. A Europa, por sua vez, também possui um tamanho exagerado, enquanto a África torna-se bastante reduzida. Por esse motivo, o seu uso só é recomendado em cartas náuticas ou para representações que possuam uma escala muito grande (áreas muito pequenas).
Uma crítica que essa projeção recebe é o fato de ela possuir um caráter eurocêntrico. Se considerarmos o contexto histórico-geográfico no qual ela foi elaborada, podemos compreender melhor essa questão. Afinal, sua elaboração aconteceu em um momento em que as expansões marítimas europeias estavam em seu clímax, de modo que as regiões do sul do planeta não eram consideradas “importantes”, podendo ter suas áreas distorcidas sem problemas.

Por Rodolfo Alves Pena
Graduado em Geografia
http://brasilescola.uol.com.br/geografia/projecao-mercator.htm

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Quem fez o primeiro mapa-múndi?

Tudo indica que foram habitantes do atual Iraque, que rabiscaram um desenho de suas redondezas entre 4 500 e 5 800 anos atrás.Conhecido como mapa de Gasur, esse rascunho ancestral retrata uma área bem pequena - uma parte da Mesopotâmia. Por isso, muitos historiadores não o consideram propriamente um mapa-múndi. Já outros estudiosos alegam que ele deve ser incluído nessa categoria por representar a totalidade do mundo conhecido por seus autores. Para prever a forma dos continentes, os cartógrafos dependiam dos relatos de viajantes e exploradores, muitas vezes repletos de falhas e exageros. Mas foram esses relatos de navegações que ampliaram a porção de mundo desenhada. Entre os séculos 12 e 15, as terras descobertas começaram a ser incorporadas aos mapas europeus. Também no século 15, a projeção desenvolvida pelo cartógrafo holandês Gerard Mercator permitiu representar as características de um objeto curvo (o globo terrestre) numa superfície plana (o papel). Nos séculos 17 e 18, o uso de telescópios para determinar graus de latitude e longitude aumentou a precisão. No século 20, foi a vez de as fotos aéreas e imagens de satélites darem sua contribuição. A sofisticação dos mapas atingiu seu auge nas décadas de 1970 e 1980, quando surgiram bancos de dados digitais sobre as formas do planeta.
Primeiro mapa feito no mundo
Tataravôs do Google EarthMapas minimamente realistas surgiram há 2 500 anos
MAPA DE GASUR - Entre 3800 a.C. e 2500 a.C.
Encontrado na região nordeste do atual Iraque, o mapa mais antigo já descoberto foi desenhado numa pequena placa de barro cozido ao sol por moradores da antiga Mesopotâmia. Representa o rio Eufrates, montanhas e outros acidentes geográficos da região itada por seus autores
MAPA BABILÔNIO - Entre 700 a.C. e 500 a.C.
Produzido provavelmente na cidade-Estado de Sippar, na Babilônia (também no atual Iraque), este mapa usava círculos para indicar cidades e países. Mostrava o mundo na forma de um disco cercado de água, tendo ao centro a Babilônia e o rio Eufrates. Uma inscrição no topo indicava o norte
MAPA DE ANAXIMANDRO - 530 a.C.
O filósofo e geógrafo grego Anaximandro criou o que muitos historiadores consideram o primeiro mapa-múndi com um mínimo de realismo e precisão. O planeta aparecia dividido ao meio por uma linha que passava pela cidade de Delfos, na Grécia, considerada "o centro do mundo". A metade norte do mundo era chamada de "Europa"; a sul, de "Ásia"
MAPA DE PTOLOMEU - 150 d.C.
A principal inovação do matemático egípcio Ptolomeu era incluir latitudes e longitudes para quase 8 mil localidades. O mapa era uma imagem do mundo conhecido pelos residentes do Império Romano na época, das ilhas Shetland (norte) à nascente do Nilo (sul), das ilhas Canárias (oeste) à China (leste)
MAPA DE WALDSEEMÜLLER - 1507
O cartógrafo alemão Waldseemüller publicou em 1507 o primeiro mapa a incorporar as então recentes descobertas no Novo Mundo, a que batizou de América, em homenagem ao navegador Américo Vespúcio. Seu desenho foi também o primeiro a mostrar o Ocidente separado do Oriente e o Pacífico como um oceano independente
MAPA DE HONDIUS - 1630
Embora mapas mostrando o globo inteiro já existissem desde o início do século 16, eles ainda traziam incorreções graves, como um inexistente continente ao sul do planeta. O mapa-múndi produzido pelo cartógrafo holandês Hondius corrigia essas distorções, representando o mundo em dois hemisférios
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/quem-fez-o-primeiro-mapamundi

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Os Curdos

Os curdos formam a maior nação do mundo sem Estado, esse povo está distribuído nos territórios da Armênia, Azerbaidjão, Irã, Iraque, Síria e Turquia.

Com mais de 26 milhões de pessoas, os curdos formam a maior nação do mundo sem Estado. Esse povo está distribuído nos territórios da Armênia, Azerbaijão, Irã, Iraque, Síria e Turquia. Nesse sentido, esse grupo étnico reivindica a criação de um país próprio, denominado Curdistão.
A organização social desse povo baseia-se na formação de clãs, sendo que, em várias regiões, o idioma utilizado é o curdo. A maioria é mulçumana sunita, cuja principal atividade econômica é o pastoreio e a produção de tapetes artesanais.

O movimento separatista curdo é reprimido com bastante violência, sobretudo no Iraque e na Turquia. Durante a década de 1970, o então presidente do Iraque, Saddan Hussein, iniciou uma campanha de perseguição ao povo curdo. Esse período foi marcado pela destruição de cidades e vilas, além de assassinatos com a utilização de armas químicas. Estima-se que 3 mil curdos foram mortos no Iraque por envenenamento por tálio (metal pesado utilizado para matar ratos). Saddan Hussein, em 1988, ordenou um ataque com armas químicas na cidade curda de Halabja. Nessa ocasião, foi utilizado gás sarin (afeta o sistema nervoso) e gás mostarda (desencadeia lesões na pele), provocando a morte de mais de 5 mil curdos.
Na Turquia, que abriga mais de 14 milhões de curdos, é proibido o estudo da língua curda nas instituições de ensino. As perseguições se intensificaram a partir do século XX, pois o principal grupo separatista, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão - PKK, passou a reagir às repressões do governo turco, dando início a uma luta armada. Esse conflito resultou na morte de mais de 40 mil pessoas, sendo a maioria da etnia curda.
Mesmo com “pressões” da comunidade internacional, persistem os ataques ao povo curdo em vários países. Portanto, torna-se difícil uma solução eficaz para os curdos, visto que nenhuma nação quer ceder parte do território para a formação do Curdistão.


http://alunosonline.uol.com.br/geografia/oscurdos.html

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Arábia Saudita: como inventar uma guerra

A família real saudita corre o risco de mostrar ao mundo que seu país e não o Irã é a maior fonte de instabilidade na região.


O rei Salman luta para sabotar uma paz que o ameaça (AFP)
Como começou? Oficialmente, com a decapitação de 47 supostos terroristas pela Arábia Saudita no primeiro dia de 2016.
A maioria deles era de sunitas (inclusive um egípcio e um chadiano) acusados de participar de atentados da Al-Qaeda na década passada, mas quatro eram sauditas xiitas que participaram dos protestos de 2011 e 2012 e um deles o xeque Nimr al-Nimr, o mais popular líder religioso dessa comunidade no país.
Muitos jornais, inclusive o Guardian, erroneamente descreveram Al-Nimr como iraniano, mas ele nasceu e fez carreira religiosa em Al-Awamia, cidade saudita da Província Oriental, onde os xiitas são maioria. Estudou religião no Irã e na Síria e foi discípulo dos Grandes Aiatolás iraquianos Al-Shirazi e Al-Modarresi.
Crítico constante das monarquias de seu país e do Bahrein (onde a maioria xiita é governada por uma elite sunita respaldada pelos sauditas), em 2008, conforme vazamento do WikiLeaks, procurou diplomatas estadunidenses em Riad para convencê-los de que não era um agente iraniano e considerava o imperialismo dos EUA mais benigno do que o europeu e um aliado potencial dos xiitas, que considerava mais inclinados à justiça e liberdade.
Em 2009 chegou a defender a secessão da região xiita (onde está a maior parte do petróleo saudita) se os direitos de seu povo continuassem desrespeitados. 
Quando vieram os protestos da Primavera Árabe, Al-Nimr apoiou os jovens manifestantes reprimidos a tiros pela polícia, e em julho de 2012 foi preso.
A condenação e execução de Al-Nimr foram injustas, afirma a Anistia Internacional (SPA/AFP)
O governo saudita alega que seu grupo resistiu à prisão e disparou contra os policiais (o xeque recebeu um tiro na perna), mas as principais acusações pelas quais foi condenado à morte, documentadas por sermões e entrevistas, foram “desobediência ao governante”, “incitação à luta sectária” e “encorajamento, condução e participação de manifestações”.
Segundo a Anistia Internacional, as declarações enquadram-se nos limites da liberdade de expressão e em nenhuma delas havia incitação à violência. Depois de um julgamento declarado injusto pela organização, foi condenado à morte em outubro de 2014.
Desde então, comunidades xiitas de todo o mundo, não só no Oriente Médio, mas também na Nigéria, Afeganistão, Paquistão e Europa fizeram frequentes protestos contra a condenação, que foram ignorados. Alguns sunitas os apoiaram, inclusive a Frente Popular de Libertação da Palestina e a organização do clero sunita iraniano.
A execução, como era de se esperar, provocou mais protestos e no Irã uma multidão furiosa atacou a embaixada saudita com coquetéis Molotov e outra tentou o mesmo no consulado em Meshed, no nordeste do país, onde foi contida pela polícia.
Esses excessos, condenados pelo general Mohsen Kazemeini, comandante da Guarda Revolucionária em Teerã e representante da linha-dura, serviram de pretexto para o rompimento de relações diplomáticas pela Arábia Saudita e pelo Bahrein, cujo rei se sustenta nos tanques sauditas.
Os voos e laços comerciais com o Irã foram suspensos e os súditos proibidos de visitá-lo, embora o chanceler saudita tenha esclarecido que os iranianos ainda poderão peregrinar a Meca. União dos Emirados Árabes, Sudão, Kuwait, Catar e Jordânia retiraram seus embaixadores de Teerã em solidariedade a Riad, sem chegar ao rompimento definitivo. 
Sem exagerar muito, Khamenei publicou uma charge para mostrar que a diferença entre EI e sauditas é quase só de estilo (Reprodução)
Os governantes iranianos, mesmo se lamentaram o ataque à embaixada e prometeram punir os responsáveis, criticaram ferozmente o regime saudita pelas execuções. O líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, advertiu a monarquia saudita para o castigo divino que haveria de apagá-la das páginas da história, em termos semelhantes aos outrora usados pelo ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad contra Israel.
Não só isso, como publicou em seu site uma charge na qual expõe a semelhança entre o Estado Islâmico ou “ISIS negro” e a Arábia Saudita ou “ISIS branco”, comparação popularizada em novembro pelo escritor e jornalista argelino Kamel Daoud com um artigo de opinião no New York Times.
Com efeito, um e outro impõem o mesmo fundamentalismo sunita e decapitam infiéis e inimigos, embora um seja oficialmente um inimigo do Ocidente e o outro, seu aliado. O presidente Hassan Rohani, um moderado, acusou o regime saudita de criar uma crise diplomática para encobrir seus crimes.
Vale ressalvar que, embora proporcionalmente à população a diferença não seja tão grande, o Irã é notório por aplicar a pena de morte com frequência ainda maior. Quase sempre por crimes comuns, mas também a alguns sunitas acusados de terrorismo.
Ao menos em tese, nunca por protestos não violentos (oposicionistas afirmam que acusações de outros crimes são forjadas como pretexto) e nenhum caso é de perfil tão alto quanto o xeque Al-Nimr.
As chancelarias da Rússia, China, Canadá, União Europeia, Alemanha e França criticaram as execuções, mas EUA, Reino Unido e Espanha, que não pensaram duas vezes antes de denunciar a Venezuela pela prisão de dois oposicionistas, calaram-se sobre as decapitações em massa sauditas e um ex-embaixador britânico em Riad chegou a declarar ao Guardian que “algumas delas foram compreensíveis”.
O governo do rei Salman, obviamente, sabia não ser essa uma mera questão interna, e sim uma provocação ao Irã e a seus aliados, à qual provavelmente acrescentará outras. Por exemplo, a execução já prevista de Ali al-Nimr, sobrinho do xeque, que tinha  17 anos ao  “encorajar protestos pela democracia usando um BlackBerry”, nos termos da sentença. Por quê? 
A meta do presidente Rohani é tirar seu país do isolamento (Atta Kenare/AFP)
Para os sauditas e seus aliados, principalmente os pequenos reinos e emirados do Golfo Pérsico, mas também países dependentes de seus petrodólares como o Egito e o Sudão, o Irã é uma ameaça existencial. Não por ser uma ameaça militar, nem por uma suposta hostilidade milenar entre sunitas e xiitas, mas por seu relativo sucesso como República Islâmica.
As diferenças culturais e religiosas não permitiriam um transplante direto do sistema iraniano, mas o risco de a ideia de varrer os privilégios das corruptas famílias reais e seus agregados com uma república islâmica de caráter nacional e popular pode atravessar o Golfo é reconhecido desde a revolução de 1979 e foi reavivado pela Primavera Árabe.
Pelo menos desde a invasão anglo-americana do Iraque, em 2003, tanto a Arábia Saudita quanto seu criptoaliado Israel esperavam ver o Irã ser alvo de uma invasão para “mudança de regime” ou de um bombardeio capaz de “apagá-lo da história” de maneira não simbólica, mas concreta, ao menos como nação emergente capaz de manter uma indústria razoável, Forças Armadas respeitáveis e um programa nuclear e aeroespacial sério.
Em 2010, Benjamin Netanyahu chegou mesmo a ordenar um ataque, não efetuado porque o Mossad e as Forças Armadas se recusaram a executar seus planos sem respaldo de Washington.
Entretanto, com a eleição de um governo mais moderado no Irã e a irrupção do Estado Islâmico, que fez o fanatismo sunita de raízes sauditas fugir do controle, os EUA acabaram por se reaproximar do Irã.
Este negociou um acordo nuclear com as potências ocidentais, as sanções que lhe foram impostas estão a caminho da suspensão e a Rússia prestes a lhe fornecer mísseis antiaéreos de última geração. Mais que isso, EUA e Europa começam a reconhecer Teerã como um interlocutor indispensável para controlar os conflitos do Oriente Médio.
O Jumbo particular do príncipe Bin Talal, exemplo do luxo da elite saudita (Waseem Obaidi/Bloomberg/Getty Images)
Para os sauditas, é péssimo, ainda mais após a intervenção russa na guerra civil síria reverter a expectativa de uma vitória iminente sobre Bashar al-Assad e a intervenção saudita contra a insurreição xiita no Iêmen resultar em uma guerra civil prolongada e dispendiosa.
Talvez ainda mais decisiva seja a previsão de alguns analistas de que o retorno pleno do Irã ao mercado de petróleo ocidental pode baixar para 10 dólares por barril o preço do petróleo hoje em 35 dólares. Patamar historicamente já baixo por iniciativa de Riad, que deflagrou uma guerra de preços para tirar produtores de alto custo do mercado, aumentar sua fatia e prejudicar seus rivais russos.
Assim como seu apoio ao fundamentalismo é uma estratégia que está saindo de seu controle e pode se mostrar autodestrutiva. Concorrentes como Rússia e Irã, com economias mais diversificadas, podem se adaptar melhor no longo prazo.
Com as execuções, além de intimidar potenciais manifestantes e dissidentes no reino, os sauditas esperam atiçar o caos, sabotar a reaproximação e, se possível, provocar o Irã a retaliações diretas que obriguem as potências ocidentais a atacá-lo, contando com o guarda-chuva nuclear de Washington para protegê-los das piores consequências. Pode ser sua última chance de recuperar o controle da situação.
A queda das cotações põe em risco a ostentação dos sauditas ricos, a paciência do povo e a estabilidade (Marwan Naamani/AFP)
As Forças Armadas sauditas, reforçadas por anos de petróleo caro e pela ansiedade das potências ocidentais por vender armas, estão no auge, mas podem entrar em declínio à medida que essas condições se revertem. O mesmo se pode dizer de sua influência financeira sobre outros países árabes e talvez até de sua estabilidade interna.
Enquanto na maior parte do mundo o petróleo barato permitiu baixar os preços dos combustíveis, na Arábia obrigou o governo a aumentá-los 50% em janeiro. Se isso se prolongar, empregos públicos, hospitais gratuitos, água e eletricidade subsidiadas, empréstimos sem juros, altos salários no setor público e inexistência de impostos estarão em risco, assim como a lealdade dos súditos.
Cinco anos de petróleo a menos de 50 dólares por barril (sem falar em guerras) podem esgotar as reservas do reino, e se este cobrar impostos, o povo pode se sentir no direito de exigir participação política e rebelar-se. Como a Venezuela, a Arábia Saudita pode ver sua estabilidade e influência internacional se derreterem. 
As iranianas têm do que se queixar, mas vivem com mais liberdade e direitos que as sauditas (Jochen Eckel/AFP e Fayez Nureldine/AFP)
Enquanto isso, os sauditas se arriscam a esgotar a paciência dos EUA e da União Europeia. Há sinais de desgaste na relação, assim como também acontece com Israel. O reino ainda goza de um tratamento privilegiado, mas as denúncias do fundamentalismo e do autoritarismo sauditas aparecem com mais frequência.
Ainda que de forma reservada, Washington está insatisfeita com a falta de cooperação dos sauditas (e israelenses) com suas tentativas de estabilizar o Oriente Médio, inclusive no caso das execuções. Ao contrário do que Riad provavelmente esperava, o escarcéu pela depredação da embaixada saudita ficou por sua conta e dos seus satélites.
EUA e Europa trataram o caso como incidente menor e não o usaram (e nem os testes de mísseis iranianos) como pretexto para suspender ou cancelar o acordo nuclear. A Turquia ficou neutra e a Rússia viu no caso uma oportunidade para oferecer mediação e aumentar sua projeção no Oriente Médio.
O reino saudita se pôs numa situação insustentável, em que sua estabilidade interna depende do pandemônio externo. Por bem ou por mal, o mundo está assumindo o compromisso de reduzir sua dependência do petróleo para conter o aquecimento global, necessidade que se mostrará cada vez mais gritante a cada ano de catástrofes climáticas. A monarquia pode vir a descobrir que não é tão indispensável quanto pensa.
*Reportagem publicada originalmente na edição 883 de CartaCapital, com o título "Como inventar uma guerra"

Entenda a ‘mini guerra mundial’ que ocorre na Síria

O conflito entre forças locais, regionais e internacionais na Síria se tornou tão complexo que líderes mundiais, militares e jornalistas estão ficando sem termos e comparações históricas para descrevê-lo.
E, no campo de batalha, aliados e inimigos se confundem.
No último sábado, o primeiro-ministro da Rússia, Dmitri Medvedev, mencionou a existência de uma "nova Guerra Fria" e questionou se o mundo estava em 1962 ou 2016.

Um dia depois, o jornal "The Washington Post" voltou no tempo outros 20 anos e descreveu o que ocorre hoje na Síria como uma "mini guerra mundial".
"Aviões russos bombardeiam pelo alto. Milícias iraquianas e libanesas com apoio de iranianos avançam em solo. Um grupo variado de rebeldes sírios respaldados por Estados Unidos, Turquia, Arábia Saudita e Catar tenta conter essas milícias", descreveu a publicação.
"Forças curdas - aliadas tanto a Washington como a Moscou - aproveitam o caos e expandem território. O (grupo extremista autodenominado) Estado Islâmico (EI) domina pequenos povoados enquanto a atenção se volta a outros grupos", completou.
Nem mesmo essa explicação descreve de forma completa todos os conflitos que ocorrem no tabuleiro sírio, como a complexa guerra particular da Turquia contra grupos curdos na Síria.

Nos últimos dias, a artilharia turca atacou posições curdas em Aleppo, e o governo de Ancara teve que desmentir rumores sobre a entrada de tropas terrestres na Síria. No último final de semana, enquanto autoridades dos EUA, Rússia e de outras nações reunidas em Munique (Alemanha) declararam um "cessar de hostilidades" na Síria, os EUA conclamavam a Turquia a interromper ataques em território sírio e Damasco pedia uma resposta à ONU pelo que considera uma violação de sua soberania.

Histórico
Ao menos 250 mil sírios morreram em quatro anos e meio de conflito armado, que começou com protestos antigoverno que cresceram até dar origem a uma guerra civil total. Mais de 11 milhões de pessoas tiveram que deixar suas casas, em meio à batalha entre forças leais ao ditador Bashar al-Assad e oposicionistas - e também sob a ameaça de militantes radicais do Estado Islâmico. Os protestos pró-democracia começaram em março de 2011, na cidade de Daraa (Deraa), após a prisão e tortura de adolescentes que haviam pintado slogans revolucionários no muro de uma escola. Forças de segurança abriram fogo contra manifestantes, o que provocou mortes e alimentou a insurgência por todo o país - em julho daquele ano, centenas de milhares tomavam as ruas. A violência se intensificou e o país entrou em guerra civil quando brigadas rebeldes foram formadas para enfrentar forças do governo pelo controle de cidades e vilas. A batalha chegou à capital, Damasco, e a Aleppo, segunda cidade do país, em 2012. O conflito hoje é mais do que uma disputa entre grupos pró e anti-Assad. Adquiriu contornos sectários, jogando a maioria sunita contra o ramo xiita alauíta de Assad. E o avanço do EI deu uma nova dimensão à guerra. O conflito também mudou muito desde o início. Moderados seculares hoje são superados em número por islâmicos e jihadistas, adeptos de táticas brutais que motivam revolta pelo mundo. O EI se aproveitou do caos e tomou controle de grandes áreas na Síria e no Iraque, onde proclamou a criação de um "califado" em junho de 2014. Seus integrantes estão envolvidos numa "guerra dentro da guerra" na Síria, enfrentando rebeldes e rivais jihadistas da Frente al-Nusra, ligada à Al Qaeda, bem como o governo e forças curdas.
Em setembro de 2014, uma coalizão liderada pelos EUA lançou ataques aéreos na Síria em tentativa de enfraquecer o EI. Mas a coalizão evitou ataques que poderiam beneficiar as forças de Assad. Em 2015, a Rússia lançou campanha aérea alvejando terroristas na Síria, mas ativistas da oposição dizem que os ataques têm matado civis e rebeldes apoiados pelo Ocidente. Há evidências de que todas as partes cometeram crimes de guerra - como assassinato, tortura, estupro e desaparecimentos forçados. Também foram acusadas de causar sofrimento civil, em bloqueios que impedem fluxo de alimentos e serviços de saúde, como tática de confronto.

Novas definições  

A definição básica de guerra como "duelo entre inimigos" não se aplica a todo conflito. Pode ser útil, por exemplo, para descrever a Guerra Fria entre Washington e Moscou desde o fim da Segunda Guerra Mundial até a queda da União Soviética, mas é inútil para iluminar a variedade de forças e interesses em jogo na Síria. Nessa dinâmica particular de aliados e inimigos, os EUA estão em desacordo com a Rússia pelo destino de Assad, aliado de Moscou que Washington deseja fora do poder. Há ainda uma inesperada aproximação entre EUA e Irã, países unidos pela aversão a extremistas sunitas, mas distanciados pelo apoio iraniano a Assad e à guerrilha libanesa Hezbollah, considerada organização terrorista pela Casa Branca. A Turquia, por sua vez, ataca posições de milícias curdas na Síria, as chamadas Unidades de Proteção do Povo Curdo (YPG), braço armado do Partido da União Democrática (PYD), aliado tradicional do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), perseguido há 30 anos na Turquia por buscar autonomia curda no país. Ao mesmo tempo, o governo turco mantém boas relações com o Governo Regional do Curdistão no Iraque (KRG), os peshmerga (forças armadas do KRG) e o Partido Curdo no Iraque (KDP). Enquanto isso, no teatro de operações na Síria e no Iraque, curdos turcos, curdos iraquianos e governo turco estão contra o EI.


Papel da Turquia 

Para Kerem Oktem, professor da Universidade de Graz, na Áustria, a estratégia turca é "simular que luta uma guerra o EI e perseguir outra meta, que é destruir o PKK". Cemil Bayik, líder do PKK, disse à BBC que a Turquia ataca forças curdas para evitar que combatam o Estado Islâmico. Ele diz acreditar - e há outras opiniões nesse sentido - que Ancara esteja protegendo o EI em vez de combatê-lo. Em julho de 2015, uma trégua entre o governo turco e o PKK foi interrompida após um atentado suicida em Suruc, povoado curdo em território turco, perto da fronteira com a Síria. Os curdos atribuíram o atentado, que deixou 32 mortos, a uma suposta conspiração entre Ancara e EI, algo que a Turquia nega. O general prussiano Carl von Clausewitz (1780-1831) uma vez definiu guerra como "mera continuação da política por outros meios". No confuso cenário militar sírio, no entanto, a violência que custou a vida de centenas de milhares de pessoas é a face visível e real do conflito. Políticas e interesses de governos por trás das forças que se enfrentam em terra são, muitas vezes, os pontos mais obscuros.


http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2016/02/16/entenda-a-mini-guerra-mundial-que-ocorre-na-siria.htm

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Por que encontro entre o papa e o patriarca russo em Cuba é histórico?

Católicos e Ortodoxos consideram Cuba como "território neutro"
O papa Francisco, chefe da Igreja Católica Romana, se reúne nesta sexta-feira com o patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, Kirill (Cirilo). Esse será o primeiro encontro entre os líderes de dois dos principais ramos do cristianismo desde sua separação, no ano de 1054.
O interesse de Francisco no encontro era sabido desde novembro de 2014, quando, regressando de uma viagem a Istambul, ele revelou que havia falado com Kirill por telefone e dito: "Irei onde você quiser. Chame que eu vou".
O encontro foi marcado, mas não ocorrerá nem em Roma nem em Moscou, mas sim em Havana, Cuba. Eles devem conversar durante duas horas em uma sala de reuniões do aeroporto internacional José Martí.
Mas por que os dois líderes religiosos decidiram se encontrar em Havana, a capital de um país que até 1992 era oficialmente ateu e que é também a nação com menos cristãos na América Latina?

Um destino conveniente

John Allen, editor associado da publicação Crux, do jornal Boston Globe, e autor de dez livros sobre o Vaticano e temas ligados ao catolicismo, afirma que a escolha do destino ocorreu em parte por acaso, mas também em certa medida por estratégia.
"A parte da sorte tem a ver com o fato do patriarca russo ter previsto viajar a Cuba ao mesmo tempo em que o papa Francisco ia ao México, e assim era prático para ambos se encontrar ali", disse Allen à BBC Mundo.
Mas ele afirmou que o componente estratégico está relacionado ao fato de que a relação entre as duas Igrejas é muito influenciada pela história europeia.
"Essa relação precisa de um novo começo. Por causa disso, a reunião não poderia ocorrer na Europa nem nos Estados Unidos. Cuba é uma grande escolha porque é amigável com a Igreja Católica, porque historicamente foi um país católico, mas também para a Rússia, porque foi o aliado mais próximo de Moscou no continente americano", afirma.

Território neutro

Papa Francisco não quer que autoridade papal atrapalhe reunificação da Igreja
O porta-voz do patriarcado de Moscou da Igreja Ortodoxa Russa, Vakhtang Kipshidze, afirmou que a ilha é "território neutro".
"Cuba é ideal porque é um país principalmente católico que tem uma comunidade minoritária ortodoxa em Havana. É um lugar hospitaleiro para todos. Pelo contrário, a Europa está ligada a experiências negativas e dramáticas para ambas as comunidades religiosas", disse à BBC Mundo.
Essa opinião é compartilhada pelo porta-voz do Vaticano, o padre Federico Lombardi. Ele afirma que é mais fácil que o encontro ocorra fora da Europa.
"No passado, esse encontro foi tentado, sem sucesso. No tempo de João Paulo 2º e do patriarca Alexis 2º diferentes locais foram cogitados na Europa, que é um continente muito complexo e com grande densidade histórica", afirmou à BBC Mundo.
Para John Allen, o fato de Cuba ser conhecido como um país majoritariamente secular contribui para sua imagem de território neutro. "Encontrar-se lá não significa uma vitória do papa nem do patriarca. Resulta simplesmente em ser um lugar conveniente para ambos", afirma.
Por sua vez, o governo cubano de Raul Castro sai ganhando, segundo analistas. Para Victor Gaetan, correspondente do jornal católico National Catholic Register e colaborador da revista Foreign Policy, o encontro posiciona Havana "como um mediador entre o Ocidente e a Rússia".
Ted Piccone, analista do programa sobre América Latina do Instituto Brookings, um centro de estudos americano, também diz que o encontro ajudará a melhorar a imagem de Cuba no exterior.
"Cuba precisa reconstruir seu capital no exterior agora que já não pode se limitar a simplesmente queixar-se dos Estados Unidos. (O país) quer projetar a imagem de que é um conciliador diplomático neutro, como fez no caso das conversas de paz entre a Colômbia e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)", disse à BBC Mundo.
De acordo com ele, a situação oferece vantagens a Havana em meio a um momento difícil. "Havana tem que encontrar outras formas de captar a atenção internacional porque precisa de toda a atenção da mídia que puder obter, dado que a situação econômica não é boa e a Venezuela está mais fraca a cada dia. Cuba tem que diversificar seus vínculos com outros países", disse.

Afastamento e rivalidade

Nos últimos anos as tentativas de aproximar as duas Igrejas foram dificultados pela desconfiança mútua.
Os ortodoxos se ressentem, entre outras coisas, da suposta expansão do catolicismo em áreas que antes faziam parte da União Soviética.
Eles também se opõe ao papel que a Igreja Católica vem exercendo na Ucrânia, especialmente pelo que consideram posturas pró-ocidentais e antirrussas.
Mas, por que as Igrejas Católica e Ortodoxa estão afastadas há mil anos?
Em 1054, o papa de Roma e o patriarca de Constantinopla se excomungaram mutuamente, dando início ao que se conhece como o grande cisma do cristianismo – que persiste até hoje.
Patriarca Kirill deve enfrentar pressão da Rússia contra reunião com Ocidente
Mesmo antes disso perdurava um distanciamento cultural. Na Igreja do Ocidente se falava o latim, enquanto no Oriente bizantino prevalecia a cultura helenística grega. Além disso havia grandes diferenças doutrinárias, com sobre a natureza do Espírito Santo.
Outra diferença fundamental é o modo como as duas igrejas entendem a função de seu mandatário.
Na Igreja Católica o papa é a máxima figura de autoridade.
Já a Igreja Ortodoxa está dividida em patriarcados entre os quais existe uma igualdade. O de Istambul, com 10 mil fiéis, tem certa preeminência, mas não possui jurisdição sobre toda a Igreja Ortodoxa. O de Moscou tem influência sobre até 200 milhões de fiéis.
Calcula-se que a Igreja Católica tenha 1,2 bilhão de fiéis.
Além disso, a Igreja Ortodoxa Russa sempre esteve vinculada com o poder, seja com o imperador, com o czar ou com o Partido Comunista. Atualmente, desde 2009, o patriarca Kirill mantém uma relação estreita com Vladimir Putin.
E a partir de agora?
A unidade do cristianismo não ocorrerá de um dia para o outro. Mas o encontro surge como uma tentativa de iniciar um processo que exigirá concessões de todas as partes.
Do ponto de vista católico, a aproximação é parte da agenda de reformas do papa Francisco. Entre elas está não deixar que a primazia papal seja obstáculo para a unidade da Igreja.
Para a Igreja Ortodoxa o problema é inverso, devido à falta de uma liderança clara. Há 50 anos tenta-se convocar um sínodo, uma assembleia de bispos – mas não há uma autoridade central para convocá-lo.
Talvez Kirill enfrente mais pressão interna que Francisco. "As forças conservadoras em Moscou disseram que não apreciam a reunificação com o Ocidente porque isso os enfraquece", afirma Chad Pecknold, teólogo da Universidade Católica da América, nos Estados Unidos.
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/02/160210_igreja_encontro_cuba_lk