Policial vigia rua durante operação para deter suspeitos de envolvimento em ataque em Paris no bairro de Molenbeek em Bruxelas |
Após a confirmação de que dois extremistas suicidas teriam vivido em Bruxelas e a emissão de um mandado de prisão contra um terceiro suspeito, nascido na Bélgica, as investigações sobre os atentados de Paris se voltam cada vez mais para o país vizinho.
Não é a primeira vez que investigações de ataques extremistas levam a esse pequeno país de 11 milhões de habitantes, localizado entre a França, a Holanda e a Alemanha.
E mais precisamente ao bairro de Molenbeek-Saint-Jean, em Bruxelas, onde sete pessoas foram detidas durante o fim de semana sob suspeita de terem ligação com os atentados que deixaram pelo menos 129 mortos e 350 feridos em Paris.
"Quase sempre há um vínculo com Molenbeek. Temos um problema gigantesco no bairro", disse o primeiro-ministro belga, Charles Michel, em entrevista à televisão VTM, no domingo.
'Ninho de terroristas'
O mais conhecido cidadão de Molenbeek é Abdelhamid Abaaoud, um belgo-marroquino que está há cerca de dois anos na Síria e ficou conhecido ao aparecer em uma série de fotos sorrindo, ao volante de uma caminhonete carregada de cadáveres.
Abaaoud é considerado o líder de uma célula de terrorismo desmembrada em janeiro na cidade de Verviers, e, segundo a imprensa belga - citando fontes da Procuradoria -, suspeita-se que ele teria planejado os atentados de Paris.
Mas a lista de autores de atentados que passaram pelo bairro é longa. O ministro do Interior, o nacionalista flamengo Jan Jambon, qualificou o local de "ninho de terroristas" no domingo.
O marroquino Ayoub El-Khazzani, suspeito de tentar cometer um atentado em um trem que ligava Amsterdã a Paris em agosto, embarcou no veículo em uma estação de Bruxelas, depois de ter passado semanas em Molenbeek.
Também passaram pelo bairro o francês Mehdi Nemmouche, autor do atentado ao Museu Judaico de Bruxelas, em maio de 2014, e Hassan El Haski, um dos cérebros dos atentados de 2004 em Madri, reivindicado pela Al-Qaeda.
Bairro tem grande concentração populacional |
Conexão síria
A subprefeita de Molenbeek, Françoise Schepmans, admite que o bairro seja uma espécie de centro de operações de redes de terrorismo.
Schepmans acredita que a alta densidade populacional de Molenbeek - 97 mil habitantes em menos de 6 quilômetros quadrados -, somada ao fato de que 80% dos habitantes é de origem árabe, facilita o anonimato para criminosos que "na maior parte do tempo estão só de passagem".
Para Claude Moniquet, cofundador do Centro Europeu de Inteligência Estratégica e Segurança, os fatos mais recentes estão diretamente relacionados ao número de habitantes do bairro que se uniram aos combatentes islamistas na Síria - apesar de não haver ainda uma cifra exata.
O ministério de Justiça da Bélgica estima que entre 500 e 800 belgas se envolveram no conflito sírio, o que faz do país o principal fornecedor de combatentes europeus em relação a sua população.
Bélgica é principal fornecedora de combatentes estrangeiros para o 'EI' em relação à população |
Um deles era Brian de Mulder, belga filho de uma brasileira, que se somou ao conflito sírio antes da criação do Estado Islâmico, depois de uma rápida radicalização em contato com o grupo extremista Sharia4Belgium.
Acredita-se que o jovem tenha sido morto durante um bombardeio na Síria em 23 de outubro, aos 22 anos.
Não se sabe, por enquanto, se dois homens-bomba de Paris que viviam em Molenbeek - Ibrahim Abdeslam e Bilal Hadfi - eram membros de Sharia4Belgium, considerado o principal recrutador de combatentes belgas para grupos extremistas na Síria.
Mas a Procuradoria da Bélgica confirmou que eles estavam entre os cerca de 120 belgas que lutaram na Síria e voltaram ao país.
Essas pessoas são potenciais aliados em projetos de ataques na Europa, observa Moniquet.
Pobreza
Segundo o ministro Jambon, o número de belgas que viajam à Síria têm diminuído na maioria das cidades desde o início do fenômeno, em 2012.
No entanto, em Molenbeek, as estratégias de "desradicalização" adotadas pelo governo não têm dado resultado e "as pessoas continuam a partir".
"O bairro está fora de controle. Vemos que várias células (jihadistas) estão presentes em Molenbeek", afirmou no domingo, em Paris, prometendo um novo plano de ação específico para o bairro.
O cientista político Dave Sinardet, da Universidade Livre de Bruxelas (VUB), afirma que a composição social do bairro também contribui para torná-lo um terreno fértil para a radicalização.
Para cientistas políticos, fato de bairro ser jovem e pobre ajuda a explicar radicalização |
"É um dos bairros mais pobres e mais jovens do país, com um alto nível de desemprego", observou.
Diferente da parte flamenga da Bélgica, Bruxelas não obrigou seus imigrantes a falar o idioma local ou a integrar-se e facilita até hoje a preservação de costumes dos países de origem.
Esse modelo, elogiado nos anos 70, durante a prosperidade industrial de Molenbeek e o auge da imigração árabe, está sendo agora apontado por muitos políticos como o responsável por ter convertido o bairro em um "gueto" problemático desde a decadência econômica dos anos 90.
O ex-subprefeito de Molenbeek, o socialista Philippe Moureaux, tornou-se alvo de críticas por ter permitido a abertura de 22 mesquitas, muitas delas financiadas pela Arábia Saudita, durante sua gestão, encerrada há três anos.
Armas
Bruxelas também é apontada como um centro do tráfico de armas na Europa, porta de entrada de um grande volume de material desmilitarizado procedente dos países da antiga Iugoslávia.
Essas armas, destinadas a colecionadores ou filmagens, em geral foram manipuladas para não atirarem mais. Mas ela são reabilitadas por uma rede criminosa na Bélgica e voltam a circular ilegalmente.
A proximidade de várias fronteiras internacionais facilita o fluxo desse equipamento.
As investigações dos atentados de Paris de janeiro - contra o jornal satírico Charlie Hebdo e um supermercado judaico - revelaram que parte do arsenal utilizado nessa série de atentados teria sido adquirido em Bruxelas.
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/11/151116_belgica_atentado_lab
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