terça-feira, 15 de setembro de 2015

Atualidades - Líder do Exército de Libertação Nacional anuncia articulação com FARC


Em entrevista exclusiva, o líder máximo do ELN, "Gabino" fala sobre a conjuntura da Colômbia em meio aos diálogos de paz
O máximo comandante do Exército de Libertação Nacional (ELN) da Colômbia, Nicolás Rodríguez Bautista, mais conhecido como "Gabino”, atendeu ao pedido de entrevista feito conjuntamente pelo Brasil de Fato, Resumen Latinoamericano e Colombia Informa.
Por escrito, o líder histórico guerrilheiro respondeu às perguntas da reportagem e tratou dos temas mais candentes da conjuntura política colombiana. Entre eles, as mobilizações sociais e a perseguição do governo [do presidente Juan Manuel Santos], o papel dos meios de comunicação, a ingerência norte-americana, os motivos da existência das organizações armadas e as buscas por soluções ao conflito.
Por último, “Gabino” fala sobre a relação entre o ELN e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), com um anúncio que poderia mudar o curso das atuais negociações de paz: as negociações avançadas para o relançamento de uma coordenação guerrilheira que unifique estratégias de ambas as insurgências.
A proposta segue ao estilo da coordenação guerrilheira que existiu nos anos de 1990, no momento de maior acumulação de forças das guerrilhas no país. “Será uma mensagem muito importante para o povo colombiano que espera a unidade dos revolucionários”, afirma o líder do ELN.

Brasil de Fato/Resumen Latinoamericano/Colombia Informa - Por que se mantém o conflito armado na Colômbia?
Nicolás Rodríguez Bautista - Porque diariamente se reproduzem as causas que deram origem ao conflito, ou seja, a exclusão social, os extremos entre riqueza e pobreza. Persiste a negação de direitos às minorias, a antidemocracia, a resposta violenta aos protestos e às posturas críticas ao regime. O Estado continua abandonando territórios importantes e é cúmplice dos cartéis mafiosos, dos grupos de delinquentes e do paramilitarismo que, longe de ter desaparecido, se mantém com novas forças, em estreita ligação com as Forças Armadas e com empresários, políticos, comerciantes e latifundiários. A essa realidade é preciso somar um agravante: a liberdade dos mais reconhecidos chefes paramilitares, que têm intactos seus capitais e seus níveis de poder.
Quem são os atores e quais são os interesses geopolíticos enfrentados nesse conflito?
Em documentos confidenciais dos Estados Unidos, fica clara a participação da CIA no magnicídio (assassinato de pessoas notórias) do dirigente popular Jorge Eliecer Gaitán. Desde 1961, no auge da chamada Guerra Fria, um general norte-americano instruiu à cúpula militar colombiana na criação de grupos de civis armados, em tarefas de inteligência a serviço das Forças Armadas. Tais grupos evoluíram até as estruturas paramilitares que cobriram todo o território nacional. A ingerência política dos Estados Unidos nos assuntos internos colombianos é inegável.
Há poucos dias, o presidente Santos declarou que a política antidrogas havia sido um fracasso. No entanto, não se referiu às gravíssimas consequências desse plano contrainsurgente na vida do país.
Por outro lado, Colômbia depende economicamente dos desígnios do FMI [Fundo Monetário Internacional] e do Banco Mundial. A partir da embaixada dos Estados Unidos na Colômbia, se lideram os planos contrainsurgentes. A presença de assessores militares e da marinha norte-americana é o plano de cada dia na Colômbia. Todo esse panorama intervencionista está de acordo com a satisfação da classe dominante colombiana.
Por isso tudo, além de muitas outras realidades históricas que remontam aos tempos de Bolívar [herói da independência da Colômbia e Venezuela] e que não cabem em um par de folhas, os interesses enfrentados no conflito social, político e armado que vivemos na Colômbia seguem sendo debatidos, por um lado, pelos imperialistas e oligarquia colombiana – sempre fiel aos interesses dos Estados Unidos – e, por outro, pelo povo e a nação.
Como o ELN avalia este cenário de assinatura de acordos com o governo colombiano?
Se no processo de paz se dão normas de segurança e garantias plenas para a oposição política, a guerrilha teria o espaço para seguir a luta por seus objetivos de justiça e equidade social, democracia e soberania que foram negadas há mais de meio século.
Agora que o governo propõe diálogos para buscar a paz, estamos prestes a examinar se essa oferta é realista e se é possível seguir a luta a partir de espaços legais. Os maiores riscos estão nos setores beligerantes que fazem parte do poder e que se opõem à paz pelas vias legais e ilegais; setores que hoje são bastante poderosos.
Como você acredita que poderia se garantir a participação da sociedade no processo de paz, de que forma imagina a relação dessa instância social com as mesas de diálogo para a paz que mantém ambos os grupos guerrilheiros?
A princípio, o governo deve entender que um processo de paz na Colômbia, para que tenha êxito, requer a participação da sociedade historicamente excluída da vida política do país, ou seja, a maioria dos colombianos e colombianas que sofreram os rigores do conflito. Se o governo compreende isso, a forma de tornar concreta a participação da sociedade é um assunto prático. Há diversas formas para fazer isso, e as próprias organizações populares propõem fórmulas, contam com a capacidade, a idoneidade e sabem fazer isso. Sempre afirmamos que sem a plena participação da sociedade, o processo de paz será um fracasso.
Há uma base para avançar nesse sentido e na agenda pactuada entre o ELN e o governo, esse ponto já está definido.
Nas últimas semanas foram ocorrendo repressões aos protestos sociais, assassinatos e detenções de líderes sociais e políticos na Colômbia. Como estes acontecimentos incidem nos diálogos entre o governo e as guerrilhas?
Isso é patético. Até hoje os avanços de paz não se sentem nas massas populares, pelo contrário, o movimento popular e social é perseguido, estigmatizado, desqualificado, encarcerado e seguem assassinando a seus dirigentes. A situação é ainda mais grave. Os grandes meios de comunicação pretendem silenciar a oposição de esquerda e chamar como “oposição” a corrente beligerante encabeçada pelo senador [e ex-presidente Álvaro] Uribe, que fundamenta suas posturas em ações contestadoras e "briguentas”. Seu propósito é polarizar o país a partir de uma reedição da estratégia belicista de seus oito anos de governo.
Por outro lado, é necessário reafirmar que o processo de paz na Colômbia é incipiente caso se tenha em conta que é muito mais o que se fala do que os avanços práticos. Um processo de paz sério requer uma pedagogia com o povo, as instâncias do Estado e os diversos setores sociais. Contrário a isso, o governo usa uma linguagem de desclassificação e “satanização” contra a guerrilha, quando é urgente iniciar essa pedagogia ao passo do desenvolvimento dos diálogos. Nesta temporada pré-eleitoral, os interesses politiqueiros do poder se estabelecem por cima da paz autêntica, e nenhuma força do poder escapa a isso.
Que demonstrações de busca pela paz espera o ELN por parte do governo nacional?
Querer a paz é ser coerente, não cair na retórica. Uma mostra da paz por parte do governo seria o cessar fogo bilateral sem condições e com claras regras do jogo, com uma estrita verificação de organizações nacionais conformadas pelas comunidades das zonas de conflitos e organismos estrangeiros nomeados por ambas as partes. Mesmo assim, é indispensável que não se sigam criminalizando o movimento popular e social.
Como o senhor vê o papel dos grandes meios de comunicação na cobertura da guerra e dos processos de paz?
Cumprem um papel protagonista, porque geram opinião e induzem a população. Na Colômbia, ao serem meios privados, jogam a favor do grande capital e opostos à paz ou tendenciosos a posturas unilaterais. Falam por seu estabelecimento e suas Forças Armadas, atuam dentro de uma linha contrainsurgente que desqualifica e sataniza a guerrilha, o que implica em uma verdadeira trava para a paz, porque se perde o equilíbrio da informação e se sacrifica a verdade.
É preciso deixar claro, obviamente, que não nos referimos aos jornalistas, mas sim aos proprietários dos meios, aqueles que definem sua direção, linha editorial e o que se informa e o que se oculta. É urgente no processo de paz entrar em um acordo de um equilíbrio informativo. Não é simples, mas é indispensável, porque um processo de paz requer informação objetiva em seu desenvolvimento, para que dessa maneira evite a manipulação que hoje está tão comum. Antes de tudo, a paz.
No último período, foram divulgados comunicados e expressões de afinidade entre as FARC e o ELN. Poderia ser reativado um cenário como aquele que se deu nos anos 1990, com a Coordenação Guerrilheira Simón Bolívar?
Esse é um dos temas importantes que temos debatido entre o Secretariado [das FARC] e o Comando Central [do ELN], que são organismos estratégicos encarregados de liberar a passagem para este importante salto para a unidade guerrilheira. Nas duas organizações temos feito uma sondagem na militância e uma ampla maioria das duas forças respaldam o relançamento da Coordenação Guerrilheira Simón Bolívar.
Não há dúvidas de que este salto fortalecerá a unidade da insurgência e será uma mensagem muito importante para o povo colombiano que espera a unidade dos revolucionários. Tanto os companheiros das FARC como nós do ELN somos conscientes que este é um desafio que devemos assumir com muita maturidade e decisão, porque a unidade é indispensável para avançar nos objetivos estratégicos tanto da insurgência armada como para as lutas do povo e da nação.


FARC, avanços em Havana; ELN, buscando destravar o último ponto
Apesar de que ainda não se alcançou o estabelecimento de um cessar fogo bilateral, as negociações de Havana entre o governo e as FARC apresentam avanços substanciais. Por sua parte, o ELN avançou na fase exploratória que, até agora, tem tido como base provisória encontros em distintos países da região.
Neste caso, os pontos da agenda de negociação que esta guerrilha já leva acordados com o governo são: participação da sociedade, democracia para a paz, transformações para a paz, vítimas, fim do conflito e implementação e validação dos acordos.
O ponto que se refere a abandonar as armas é o mais conflituoso, já que para o governo essa definição resulta fundamental, enquanto que para a guerrilha, tal formulação não seria aceitada e no lugar proporiam uma fórmula que se expresse como uma “não utilização” de armas no marco de um processo de desaceleração do conflito.

http://www.brasildefato.com.br/node/32904 

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