"Meu pai foi um filho da proibição às drogas. Enquanto não houver a descriminalização, continuarão surgindo outros Pablos Escobares pelo mundo", diz Juan Pablo Escobar, filho do famoso narcotraficante que aterrorizou a Colômbia nas décadas de 1980 e 1990, e que lança agora um livro contando sua versão da história.
Em "Pablo Escobar, Meu Pai", o arquiteto e designer de 38 anos, que vive na Argentina com a família, reconta a trajetória do homem do qual diz não sentir "nem orgulho, nem vergonha".
Mesclando suas impressões à história do pai e a dados obtidos em uma pesquisa própria, Juan Pablo diz querer garantir que as novas gerações não vejam um traço sequer de aventura ou heroísmo nos supertraficantes. "Não vale a pena. Se um jovem ler este trabalho até o final e optar por este mundo, terei cometido um grande equívoco", diz.
No Rio de Janeiro para o lançamento do livro, o colombiano conversou com a BBC Brasil sobre memórias e revelações e opinou sobre a situação de seu país e a liberação do consumo e comércio de drogas.
"A proibição é uma proposta de guerra, de enfrentamento e de divisão e massacres em nome de um elixir chamado droga. Esta estrutura tem levado à violência, mortes, e criado um negócio que para muitos tornou-se a única forma de suprir suas necessidades mais básica. Se houver a liberação, encerra-se a violência", diz.
Veja os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Seu pai, um dos maiores narcotraficantes de todos os tempos, morreu há 21 anos, e neste livro você reconta um pouco da história dele, mas também de como você se relacionou com tudo isso. O que mudou, ao longo dessas duas décadas, e como é para você ser reconhecido hoje como filho de Pablo Escobar?
Juan Pablo - Minha relação com a história do meu pai hoje é diferente. Hoje tenho a possibilidade, a capacidade, o tempo e a educação para enfrentá-la, para me dar conta das coisas. Entendo a responsabilidade dele pelos atos de violência, pelos danos que causou ao mundo, e peço perdão por isso, mas nunca vou renunciar ao afeto que sinto pelo meu pai. Foi um homem muito amoroso comigo, e tenho grandes recordações e memórias muito bonitas desta história. O que mudou é que hoje posso falar dela. Antes estava ameaçado, não podia revelar nada do que tinha acontecido, já que a forma de me relacionar com este passado era condicionada por fortes ameaças.
BBC Brasil - Sabe-se muito sobre a história de Pablo Escobar. Já foram lançados documentários, livros, diversas reportagens e recentemente até um seriado de televisão. O que você conta de inédito em seu livro?
Juan Pablo - Bom, primeiro é preciso dizer que as pessoas acham que sabem muito sobre a história do meu pai, mas a imagem que se construiu dele está sempre permeada por mentiras e interesses que ajudaram a alguns e fizeram mal a outros. Neste livro conto a única verdadeira história sobre a vida dele, e além das memórias, fiz uma investigação pessoal, fui atrás de dados e informações novas. Há grandes autores sobre a história do meu pai que nunca se sentaram para tomar um café com ele, e se dizem especialistas na vida dele, como se o tivessem conhecido melhor do que eu. No livro conto detalhes da vida íntima da família, de como era se relacionar com ele, que até agora não pude contar.
BBC Brasil - No livro você menciona alguns casos específicos de pessoas famosas dos anos 1980 e 1990 que fizeram negócios ou participaram de atividades criminosas com seu pai de alguma forma. Uma delas é o cantor americano Frank Sinatra. Poderia explicar melhor?
Juan Pablo - Meu pai tinha um sócio que trabalhava diretamente com Frank Sinatra em assuntos de narcotráfico. E não era meu pai quem tinha relação direta com ele, mas era evidente que muitas pessoas famosas estavam relacionadas ao tráfico até porque sua fama e rede de contatos lhes possibilitava distribuir mais facilmente a droga. Havia esse mito, e agora confirmei que Frank Sinatra era um dos contatos de meu pai dentro dos Estados Unidos. E não era o único, havia muitos outros, mas o mais famoso sem dúvida era ele. Nos EUA havia muitos clientes. No início dos anos 1980 havia mais gente interessada em comprar do que em vender, então não era difícil arranjar clientes, tratava-se apenas de ter um bom intermediador para fazer os contatos.
BBC Brasil - Que outras revelações você destacaria?
Juan Pablo - Outro aspecto desta história que eu destaco com mais detalhes no livro é a corrupção entre meu pai e políticos famosos da Colômbia, embora a relação direta entre ele e algumas dessas nunca tenha sido abertamente reconhecida no país. O dinheiro de Pablo Escobar ajudou essas pessoas a chegarem à Presidência colombiana, e o poder foi financiado pelos recursos do narcotráfico de forma muito mais intensa do que se imagina. Depois, este mesmo poder traiu meu pai, o que acabou dando início a uma série de guerras, levando o terror à Colômbia nas décadas de 1980 e 1990. Estamos falando aqui dos presidentes López (Alfonso López Michelsen, no poder entre 1974 e 1978) e Belisario Betancur Cuartas (no poder entre 1982 e 1986), e uma contribuição menor na campanha de Samper (Ernesto Samper Pizano, no poder entre 1994 e 1998).
BBC Brasil - Sete anos atrás você voltou à Colômbia e pediu perdão às famílias de duas pessoas assassinadas a mando de seu pai: o ex-ministro da Justiça Rodrigo Lara Bonilla e o ex-candidato à Presidência Luiz Carlos Galán. Por outro lado, você fala sobre momentos vividos em família com muito carinho. Você sente hoje mais orgulho ou vergonha de ser filho de Pablo Escobar?
Escobar - Eu não sinto nem orgulho, nem vergonha. O que sinto é um amor incondicional pelo meu pai, que nunca foi e continua não sendo negociável. Mas esse amor não me impede de enxergar a realidade e a gravidade dos atos violentos cometidos por ele. Pedi perdão a essas duas famílias, mas também mantive conversas e diálogos com várias outras famílias que sofreram com a violência de meu pai, com o objetivo de atingir uma reconciliação, entendendo que este é o único caminho para uma paz verdadeira.
Eu não me sinto orgulhoso dos crimes do meu pai, mas também não sinto vergonha dele. Como pai e marido ele foi muito importante para mim, minha irmã e minha mãe, mas obviamente fora de casa causou mal a muita gente. É tão certo que foi um grande pai como que foi um dos piores bandidos que o mundo já conheceu. Ele não tinha problemas em me dizer que era bandido. Sempre foi muito claro, nunca mentiu. Pedi a ele que abandonasse tudo, que acabasse com a violência, mas nunca me ouviu. Estava muito determinado.
Para mim é claro que ele foi um filho da proibição às drogas, e enquanto houver a proibição, haverá novos Pablos surgindo, sempre.
BBC Brasil - Você diz que seu pai foi um "filho da proibição". Como acha que a descriminalização das drogas poderia impactar as guerras do narcotráfico em diferentes países e o surgimento de supertraficantes como seu pai?
Escobar - Nada disso teria acontecido se as drogas não fossem proibidas. Se as drogas forem legalizadas, a violência terminaria no dia seguinte. Não haveria mais recursos para a corrupção, para a a compra de armas. Não haveria necessidade de controle territorial e cessariam as guerras entre diferentes facções. Sem a proibição não há forma de continuar financiando a violência. Enquanto os países mantiverem a proibição, novos Pablos Escobares continuarão nascendo e sendo capazes de desafiar democracias ao redor do mundo.
BBC Brasil - No caso do Brasil, sobretudo do Rio de Janeiro, assistimos ao surgimento de "Pablos Escobares" ao longo do tempo, e convivemos com os efeitos da violência causada pelo narcotráfico. Na sua opinião, a legalização do consumo e comércio de drogas é a única maneira de encerrar esta guerra?
Escobar - A criminalização das drogas não distingue nacionalidades nem culturas. Esta proibição é basicamente uma proposta de guerra, de enfrentamento e de divisão e massacres em nome deste elixir chamado droga. Esta estrutura tem levado à violência, mortes, e criado um negócio que para muitos tornou-se a única forma de suprir suas necessidades mais básicas. E não podemos exigir das pessoas que se mantenham afastadas destas possibilidades oferecidas pelo crime quando a elas não são ofertadas as chances de uma boa educação, saúde e ferramentas para que sigam adiante em suas vidas. Quando crescem dentro deste mundo e se viciam ao poder, nada mais lhes detém. São capazes de desafiar e enfrentar a qualquer um. A única coisa que a proibição produz são filhos, como meu pai.
BBC Brasil - Na Colômbia, muitos acreditaram que você seguiria os passos de seu pai, dando continuidade às suas atividades, mas, ao contrário, você deixou o país com sua família, mudou de identidade, e agora lança este livro. Qual é o legado que gostaria de deixar, sendo filho de uma figura tão emblemática internacionalmente?
Escobar - Espero deixar uma mensagem contundente, sobretudo aos jovens. Creio que se lerem este livro até o final e ainda tiverem vontade de se tornar um Pablo Escobar, então terei cometido um grande equívoco. O que quis fazer foi justamente transmitir a verdadeira história de meu pai, para garantir que nem eu nem outras pessoas seguissem seus passos. Espero que entendam que não é algo a ser imitado, nem repetido, e que definitivamente não vale a pena.
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