INTRODUÇÃO
Estes versos de Percy Bysshe Shelley nos dão uma idéia do que o anarquismo pretende na prática e os ideais que o movem:
O homem de alma virtuosa não manda, nem obedece o poder, que qual peste assoladora contamina tudo quanto toca,
E a obediência, a maldição de todo engenho, virtude, liberdade, verdade,
faz dos homens escravos, e do esqueleto humano
um autômato mecanizado.
Como sugerem os versos de Shelley, os anarquistas dão grande prioridade à liberdade, desejando-a para si e para os demais. Também consideram a individualidade -- aquilo que faz de cada um uma pessoa única -- como um aspecto muito importante da humanidade. Reconhecem, sem embargo, que a individualidade não existe em um vazio sem que haja um fenômeno social. Fora da sociedade, a idividualidade é impossivel, posto que cada um necessita dos demais para desenvolver-se, expandir-se e crescer.
Ademais, ha um efeito recíproco entre o desenvolvimento individual e o social: os indivíduos crescem dentro de e são formados por uma sociedade particular, ao mesmo tempo que ajudam a moldar e a mudar aspectos dessa sociedade (assim como a si mesmos e a outros indivíduos) com suas ações e pensamentos. Uma sociedade que não está baseada em indivíduos livres, em suas esperanças, seus sonhos e ideias resultariam ôcos e mortos. Assim pois, "a formação de um ser humano ... é um processo coletivo, um processo em que a comunidade e o individuo, ambos, participam"[Murray Bookchin, A Crise Moderna, p. 79]. Consequentemente, qualquer teoria política que se baseia puramente no social ou no individual é falsa.
Para desenvolver a individualidade em seu gráu máximo, os anarquistas consideram essencial criar uma sociedade baseada em tres principios: liberdade, igualdade e solidariedade, que são interdependentes.
A liberdade é essencial pra o completo florescer da inteligencia, a criatividade e a dignidade humana. Estar sob a dominação de outro é ser privado da oportunidade de pensar e agir por si mesmo, que é a única maneira de crescer e desenvolver a propria individualidade. A dominação tambem sufoca a inovação e a responsabilidade pessoais, levando à conformidade e à mediocridade. Assim pois a sociedade que eleva ao máximo o crescimento do indivíduo necessariamente estará baseada na associação voluntaria, não na coerção e na autoridade. Citando Proudhon, "todos associados e todos livres". Ou como assinala Luigi Galleani, o anarquismo é "a autonomia do individuo dentro da livre associação" [A FINALIDADE DO ANARQUISMO, p. 35] (Ver Seção A.2.2 Por que os anarquistas dão importancia à liberdade?).
Se a liberdade é essencial para o completo desenvolvimento da individualidade, a igualdade é essencial para que exista a verdadeira liberdade. Não pode haver liberdade real em uma sociedade hierárquica de classes estratificadas, minada por grandes desigualdades de poder, riqueza e privilegio. Posto que em tal sociedade somente uns poucos -- aqueles no alto da hierarquia -- são relativamente livres, enquanto o resto são meio escravos. Daí que sem igualdade, a liberdade se converte em uma burla -- na melhor das hipóteses "libertade para eleger o amo (chefe)", como sob o capitalismo. Ademais, inclusive as elites sob estas condições não são realmente livres, posto que tem que viver em uma sociedade atrasada, feia e esterilizada pela tirania e pela alienação da maioria. E posto que a individualidade se desenvolve em toda sua potencia somente com o mais amplo contato com outros indivíduos livres, os membros da elite são restringidos em suas possibilidades de desenvolvimento pela escasses de indivíduos livres com quem relacionar-se. (Ver tambem a seção A.2.5Por que os anarquistas são a favor da igualdade?).
Finalmente a solidaridade significa ajuda mutua: trabalhar voluntaria e cooperativamente com outros que compartilham os mesmos fins e interesses. Mas sem liberdade nem igualdade, a sociedade se converte em uma pirâmide de classes em competencia baseada na dominação dos de baixo pelos de cima. Em tal sociedade, segundo sabemos, o lema é "dominar ou ser dominado", "cada um por si". Assim, o "individualismo robusto" se promove às custas do sentimento comunitario, onde os de baixo se ressentem dos de cima e os de cima temem aos de baixo. Sob estas condições, não pode haver solidariedade social, sem uma forma parcial de solidariedade das classes cujos interesses são contrarios, o que debilita a totalidade da sociedade. (Ver mais sobre o tema em: seção A.2.6Por que a solidariedade é importante para os anarquistas?).
É bom lembrar que solidariedade não significa altruísmo. Errico Malatesta deixou claro:
- "todos somos egoistas, todos buscamos a satisfação propria. Mas o anarquista encontra sua maior satisfação na luta pelo bem de todos, por alcançar uma sociedade em que ele (sic) possa ser um irmão entre irmãos, entre gente sadia, inteligente, educada e alegre. Contudo aquele que se adapta, aquele que está satisfeito em viver entre escravos e obter ganhos do trabalhdo de escravos, não é, nem pode ser, anarquista" [VIDA E IDÉIAS, p.23].
Ademais, honrar a individualidade não quer dizer que os anarquistas sejam idealistas, crendo que as pessoas ou as ideias se desenvolvem fora da sociedade. A individualidade e as ideias crescem e se desenvolvem dentro da sociedade, como resposta aos intercambios e experiencias materiais e intelectuais, que as pessoas analizam e interpretam de uma forma ativa. O anarquismo é portanto, uma teoria materialista, que reconhece que as ideias se desenvolvem e crescem a partir do intercambio social e da atividade mental do individuo (ver Deus e o Estado de Mikhail Bakunin para uma discussão clásica do materialismo versus o idealismo).
Isto significa que uma sociedade anarquista será a criação de seres humanos, não de alguma deidade ou outro principio transcedental, já que:
- "nada se ajusta por si só, menos ainda as relações humanas. São os homens (sic) os que fazem os acordos, e o fazem segundo suas atitudes e entendimento das coisas"[Alexander Berkman O ABC do Anarquismo, p. 42].
http://cirandas.net/anarquismo/faq-anarquista/introducao/o-que-pretende-o-anarquismo
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