terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O que pretende o anarquismo? (4)

POR QUE OS ANARQUISTAS DEFENDEM A AUTO-LIBERTAÇÃO?

A liberdade, por sua propria natureza, não pode ser concedida. Um individuo não pode ser libertado por outro, mas deve romper suas próprias cadeias atraves de seu proprio esforço. Consequentemente, o esforço proprio pode ser parte de uma ação coletiva, e em muitos casos assim há de ser para alcançar seus fins. Como assinala Emma Goldman:
     "a historia nos diz que cada classe (ou grupo, ou individuo) alcançou a verdadeira 
     libertação de seus amos por seus próprios esforços" [Habla Emma La Roja p. 142]
Os anarquistas durante muito tempo tem argumentado que o povo somente pode libertar-se atraves de suas proprias ações. Os vários métodos anarquistas propostos para facilitar este processo serão discutidos na Seção J ("QUE FAZEM OS ANARQUISTAS?") e não discutiremos isso aqui. Não obstante, todos estes métodos se baseiam no povo organizando-se, delineando suas proprias agendas, e atuando de forma que os fortaleça e eliminando sua dependencia de líderes que façam as coisas por eles. O anarquismo se baseia no povo "atuando por si mesmo" (fazendo o que os 
anarquistas chamam "ação direta").
A ação direta tem um efeito potenciador e libertador sobre aqueles comprometidos com ela. A auto-atividade é o meio pelo qual a criatividade, a iniciativa, a imaginação e o pensamento crítico dos que estão sujeitos à autoridade podem desenvolver-se. É o meio atraves do qual a sociedade pode caminhar. Como indica Errico Malatesta "Entre o homem e a sociedade à sua volta há uma ação recíproca. Os homens fazem da sociedade o que ela é e a sociedade faz dos homens o que eles são, e o resultado é portanto uma especie de circulo vicioso ... Afortunadamente a sociedade existente não foi criada pela vontade inspirada de uma classe dominante, que conseguiu reduzir todos seus sujeitos a instrumentos passivos e inconscientes... É o resultado de milhares de lutas intestinas, de mil fatores humanos e naturais ..." [Vida E Ideas, p. 188].
A sociedade, enquanto molda os individuos, é por sua vez criada por eles, através de suas ações, pensamentos e ideais. O ataque a instituições que limitam a liberdade de alguem é mentalmente liberador, uma vez que põe em marcha o processo de colocar em dúvida as relações autoritarias em geral. Este processo nos dá a intuição sobre o funcionamento da sociedade, alterando nossas ideias e criando novos ideais. Citando outra vez Emma Goldman : "A verdadeira emancipação começa ... na alma da mulher" E do homem também, acrescentamos. É somente aqui que podemos "iniciar [nossa] regeneração interna, desfazendo-nos do peso dos prejuízos, das tradições e dos costumes" [Op. Cit., p. 142]. Mas este processo deve ser auto-dirigido, pois como assinala Max Stirner, "o homem que é posto em liberdade não é mais que um alforriado ... um cão arrastando uma corrente" [Max Stirner, El Unico Y Su Propiedad p. 168].
Em uma entrevista durante a revolução espanhola, o militante anarquista espanhol Durruti disse "Trazemos um mundo novo em nossos corações". Apenas a auto-atividade e a auto-libertação nos permite criar tal visão em nossos corações e nos da segurança para tratar de realizá-la no mundo real.
Os anarquistas, não obstante, não creem que a auto-libertação deva esperar para o futuro, depois da "gloriosa revolução". O pessoal é político, e dada a natureza da sociedade, a forma como atuamos aqui e agora terá influencia sobre o futuro de nossa sociedade e de nossas vidas.. Por conseguinte, inclusive em sociedades pre-anarquistas os anarquistas devem criar, como disse Bakunin, "não apenas ideias mas tambem os fatos do proprio futuro". Podemos fazê-lo criando relações sociais e organizações alternativas, atuando como pessoas livres em uma sociedade não 
livre. Apenas atraves de nossas ações aqui e agora podemos assentar os alicerces de uma sociedade livre.
A revolução é um processo, não um ato, e cada "ação revolucionaria espontânea" é geralmente resultante e baseada no trabalho paciente de muitos anos de organização e educação do povo por pessoas com ideias "Utópicas". O processo de "criar um mundo novo dentro da casca do velho" (usando outra expressão da IWW) construindo instituições e relações alternativas, é apenas um componente do que deve ser uma grande tradição de compromisso e de militancia revolucionarios.
Malatesta esclareceu isso "fomentar todo tipo de organizações populares é a consequencia lógica de nossas idéias básicas, e portanto deveria ser uma parte integral de nosso programa ... os anarquistas não queren emancipar ao povo; querem que o pueblo se emancipe a sí mesmo ..., queremos que a nova forma de vida surja do povo e que corresponda a seu estado de desenvolvimento e que avance conforme ele avança" [Vida e Ideas, p.90]

É POSSIVEL SER ANARQUISTA SEM OPOR-SE À HIERARQUIA?

Não. Vimos que os anarquistas detestam o autoritarismo. Se alguem é anti-autoritario, ele deve opor-se a todas as instituições hierárquicas, já que elas encarnam o principio da autoridade. O argumento (se é que se necessita) é o seguinte:
A hierarquia é uma organização piramidal composta por uma série de graduações, categorias ou cargos de poder crescente, prestigio e (normalmente) remuneração. Os eruditos que estudam a forma hierárquica afirmarm que os dois principais ideais que ela encarna são o domínio e a exploração. Por exemplo, em seu artigo "O quê os chefes fazem?" (Review of Radical Political Economics, 6, 7), um estudo da feitoria moderna, Steven Marglin falou que a principal função da hierarquia corporativa não é uma maior eficiencia na produtividade (como dizem os capitalistas), mas uma maior controle sobre os trabalhadores, sendo o propósito de tal controle uma exploração 
mais efetiva.
Em uma hierarquia o controle se mantem atraves da coerção, ou seja, da ameaça de sanções negativas de toda espécie: física, econômica, psicológica, social, etc. Tal controle, inclusive a repressão do protesto e da rebelião, necessita da centralização: um conjunto de relações de poder no qual o controle máximo é exercido por uns poucos no cume (em particular o cérebro da organização), enquanto que aqueles das categorias médias tem muito menos controle e a maioria abaixo não tem nenhum.
Posto que o domínio, a coerção e a centralização são aspectos essenciais do autoritarismo, e dado que esses traços formam parte das hierarquias, toda instituição hierárquica é autoritaria. Mais ainda, para os anarquistas, qualquer organização marcada pela hierarquia, pelo centralismo e pelo autoritarismo é quase-estatal, ou "estadista". E como os anarquistas se opõem ao estado e às relações autoritárias, aquele que não busque desmantelar todas as formas de hierarquia não pode ser chamado anarquista.
Sentimos a necessidade de enfatizar este ponto, pois alguns apologistas do capitalismo, pretendendo apropriar-se do termo "anarquista" por razão de sua associação com a liberdade, recentemente tem reivindicado que é possível ser capitalista e anarquista ao mesmo tempo (enquanto anarco-capitalista). Ora, uma vez que o capitalismo se baseia na hierarquia (sem mencionar o estadismo e a exploração), "anarco"-capitalismo é uma contradição. (Mais sobre este assunto na 
Seção F).

QUE TIPO DE SOCIEDADE OS ANARQUISTAS DESEJAM?

Os anarquistas querem uma sociedade descentralizada, baseada na livre associação. Consideramos esta forma de sociedade a melhor para elevar ao máximo os valores que delineamos anteriormente -- a liberdade, a igualdade, a solidariedade. Apenas por meio de uma descentralização racional do poder, estruturalmente e territorialmente, a liberdade individual pode ser fomentada. A delegação de poderes nas mãos de uma minoria é uma negação da liberdade e da dignidade individual. Em vez de usurpar a gestão de seus próprios assuntos das mãos do povo, os anarquistas ajudam organizações que minimizam a autoridade, mantendo o poder na base, nas mãos dos afetados pelas decisões alcançadas.
A livre associação é a pedra angular da sociedade anarquista. Os individuos devem ser livres para unirem-se da forma como julguem conveniente, uma vez que esta é a base da liberdade e da dignidade humana. Contudo, tais livres convenios devem basear-se na descentralização do poder, de outro modo ele será uma farsa (como no capitalismo), pois que somente a igualdade outorga o contexto social necessário para o desenvolvimento e o crescimento da liberdade. Portanto os anarquistas apoiam os coletivos diretamente democraticos, baseados em "uma pessoa, um voto" (ver a Seção A.2.11  Por quê os anarquistas apoiam a democracia direta? que analiza a 
racionalidade da democracia direta como o complemento político do livre acordo).
Em outras palavras, os coletivos seriam regidos por assembleias em massa de todos seus membros, com os assuntos puramente administrativos geridos por comitês eleitos para o caso. Estes comitês comunais seriam formados por delegados temporarios revogaveis que executariam seus trabalhos sob vigilância da assembléia que os elegeu. Se os delegados atuarem contrarios ao seu mandato ou tratarem de extender sua influencia ou trabalho alem do decidido pela assembléia (i.e. se empenham a tomar decisões políticas), poderiam ser instantaneamente revogados e suas decisões canceladas. Deste modo, a organização permanece na união de individuos que a formou.
Estes coletivos igualitarios, formados por livres acordos, por sua vez se associam livremente em confederações. Tal confederação livre se formaria de baixo para cima, as decisões fluindo desde as simples assembleias para cima. As confederações seriam geridas de maneira semelhante aos coletivos. Regularmente haveriam conferencias locais regionais, "nacionais" e internacionais nas quais todos os assuntos importantes e os problemas que afetam aos coletivos seriam discutidos. Alem disso, os principios fundamentais e as ideias da sociedade seriam debatidas e as decisões políticas seriam tomadas, postas em vigor, revistas e coordenadas.
Se formariam comitês de ação, caso necessário, para coordenar e administrar as decisões das assembleias e seus congressos, sob estrito controde desde baixo segundo discutimos antes.
Mais importante ainda, as assembléias comunais básicas podem anular qualquer decisão tirada pelas confederações e desfiliar-se de uma confederação. Alem disso, podem convocar conferencias confederais para discutir novos assuntos e para informar aos comitês de ação acerca de novos desejos e para instruí-los sobre o que fazer com respeito às novas exigencias e idéias.
Organizados desta maneira, a hierarquia é abolida, já que o povo controla tudo desde a base da organização, não seus delegados. Somente esta forma de organização pode substituir ao governo (iniciativa e o fortalecimento de uns poucos) pela anarquia. Esta forma de organização existiria em todas as atividades que requerem trabalho de grupo e a coordenação de muita gente. Seria, como disse Bakunin, o meio "para integrar individuos dentro de estruturas que eles poderiam compreender e controlar". As iniciativas individuais seriam geridas pelo proprio individuo. 
  
http://cirandas.net/anarquismo/faq-anarquista/introducao/o-que-pretende-o-anarquismo

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