segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Quantos tipos de anarquismos existem? (2)

Existem diferentes tipos de anarquistas sociais?


Sim. Os anarquistas sociais tem quatro vertentes maiores -- o mutualismo, o coletivismo, o comunismo e o sindicalismo. As diferenças não são grandes pois dizem respeito apenas a diferenças estratégicas. Uma diferença que se destaca é entre os mutualistas e os outros tipos de anarquismo social. O mutualismo é baseado em uma forma de socialismo de mercado -- cooperativas de trabalhadores distribuem a produção via um sistema de bancos cumunitários. Essa rede de bancos mútuos seria "formada por toda a comunidade, não para uma especial vantágem de algum indivíduo ou classe, mas para o benefício de todos. . . "[que] não tem outro objetivo. . . a não ser cobrir os riscos e bancar as despesas.[Charles A. Dana, Proudhon and his 'Bank of the People', pp. 44-45] Esse sistema poria um fim à exploração capitalista e à opressão "introduzindo o mutualismo no lugar do crédito, o trabalho assumiria um novo aspecto e se tornaria verdadeiramente democrático." [Op. Cit., p. 45]
A versão anarquista social do mutualismo difere da forma individualista pela comunidade local (ou comuna) ter seus próprios bancos mútuos independente de cooperativas. Isto significa que tais bancos provêem fundos de investimentos diretamente para os cooperados sem intermediários capitalistas. Outra diferença é que alguns anarquistas sociais mutualistas apoiam a criação do que Proudhon chamou de "Federação agro-industrial" como complemento da federação de comunidades libertárias (chamadas por Proudhon de comunas).
Esta "confederação. . .  teria como objetivo proporcionar segurança recíproca entre o comércio e a indústria" e desenvolvimento em larga escala como rodovias, ferrovias, etc. Com o propósito de "proteger os cidadãos dos estados federados [sic!] dos capitalistas e do feudalismo financeiro, interna e externamente." Isto porque o "political right requires to be buttressed by economic right."  Dessa forma a federação agro-industrial seria uma ferramenta da natureza anarquista da sociedade contra os efeitos desestabilizantes das mudanças de mercado (que pode gerar variações inadequadas em riqueza e em poder).
Tal sistema seria um exemplo prático de solidariedade, como "as indústrias são como irmãs, elas são parte do mesmo corpo; nenhuma sofre sem que a outra sofra também. Seu conjunto forma uma federação, não para serem absorvidas e misturadas, mas para serem ordenadas no sentido de garantir mutuamente as condições necessárias para uma prosperidade comum. . . Uma harmonia que não menospreza sua condição de liberdade; pelo contrário, dá à liberdade mais segurança e força."  [The Principle of Federation, p. 70, p. 67 and p. 72]
As outras formas de anarquismo social não dariam este suporte mutualista para o mercado, mesmo as não capitalistas. Segundo eles, a liberdade seria mais servida pela produção comunal e pela troca de informações e produtos livremente entre as cooperativas. Em outras palavras, as outras formas de anarquismo social são baseadas na gestão (comum) ou social através de federações de associações de produtores e comunas em lugar do sistema mutualista de cooperativas individuais.
Nas palavras de Bakunin, a "futura organização social precisa ser construída em bases sólidas, por uma livre associação ou federação de trabalhadores, primeiro em seus sindicatos, depois em suas comunas, regiões, nações e finalmente em uma grande federação, internacional e universal" "a terra, os instrumentos de trabalho e todo e qualquer capital tornar-se-a propriedade coletiva a disposição da sociedade como um todo para ser utilizada apenas pelos trabalhadores, em outras palavras, pelas associações agrícolas e industriais." [Michael Bakunin: Selected Writings, p. 206 and p. 174] 
Apenas pela extenção destes princípios de cooperação entre os indivíduos em seus locais de trabalho é que se poderá maximizar a liberdade individual e proteger (veja seção I.1.3  porque a maioria dos anarquistas se opõem ao mercado). Essa era a idéia de Proudhon. As confederações industriais "garantiriam o uso mútuo dos meios de produção que seriam de propriedade de cada um desses grupos, ao mesmo tempo que haveria um contrato recíproco tornando propriedade coletiva o conjunto... da federação. Dessa forma, os grupos federados seriam capazes de... regular o rateio da produção de forma a atender as flutuantes necessidades da sociedade." [James Guillaume, Bakunin on Anarchism, p. 376] 
Embora estes anarquistas apoiem os mutualistas enquanto trabalhadores autogestionários na produção cooperativa, vêem essas confederações e essas associações como sendo o ponto focal para a expressão do apôio mútuo, não o mercado. Autonomia local e autogestão seria a base de qualquer federação, a fim de que "os trabalhadores das mais variadas fábricas não troquem as mãos pelos pés assumindo o controle da produção como um poder superior e comecem a chamar-se a si mesmos de 'corporação'". [Op. Cit., p. 364] 
Em adição à essa federação industrial haveriam também indústrias cruzadas e confederações de comunidades responsáveis por tarefas que não fossem da exclusiva jurisdição ou capacidade de alguma federação de indústria em particular ou de alguma área de natureza social. Novamente, aqui há similaridades com as idéias mutualistas de Proudhon. 
Os anarquistas sociais depositam uma grande confiança na gestão comum dos meios de produção (excluindo aqueles que são puramente individuais) e rejeitam a idéia individualista de que tais meios possam ser "vendidos" por aqueles que os utilizam. A razão, conforme observado anteriormente, é porque se isso for feito, o capitalismo e o estatismo poderia voltar a tomar forma dentro da sociedade livre. Além do mais, outros anarquistas sociais não concordam com a idéia mutualista de que o capitalismo possa ser reformado em direção a um socialismo libertário pela introdução do banco mútuo. Para eles o capitalismo pode apenas ser substituído por uma sociedade livre através da revolução social. 
A maior diferença entre coletivistas e comunistas é sobre a questão do "dinheiro" após a revolução. Anarco-comunistas consideram a abolição do dinheiro como sendo essencial, enquanto os anarco-coletivistas consideram o fim da gestão privada dos meios de produção como sendo mais importante. Conforme relata Kropotkin, o anarquismo coletivista "expressa um estado de coisas em que tudo que for necessário para a produção estará disponível para todos através dos grupos de trabalho e das comunas livres, enquanto que as formas de retribuição do do trabalho, comunistas ou outros, seriam determinadas por cada grupo envolvido." [Kropotkin's Revolutionary Pamphlets, p. 295] 
Dessa forma, tanto o coletivismo quanto o comunismo ambos organizariam a produção em comum via associação de produtores, eles diferem na forma como os bens produzidos seriam distribuidos. O comunismo é baseado no livre consumo de tudo enquanto que o coletivismo parece basear-se na distribuição de bens de acordo com trabalho efetuado. Por outro lado, os anarco-coleitvistas pensam que, com o tempo, com o aumento da produtividade e com o fortalecimento do senso de comunidade, o dinheiro desaparecerá. Ambos concordam que, no final das contas, a sociedade funcionará de acordo com o que é sugerido pela máxima comunista:"Exigir de cada um conforme sua capacidade, e dar a cada um de acordo com suas necessidades". Eles apenas não concordam em como chegar rapidamente a esse ponto.
Os anarco-comunistas acham que depois da revolução "o comunismo - mesmo que parcial - tem mais chances de se estabelecer que o coletivismo" . [Op. Cit., p. 298]"Se abolirmos a gestão privada dos meios de produção, e em seguida voltarmos ao sistema de remuneração de acordo com o trabalho realizado, traremos de volta a desigualdade." [Alexander Berkman, The ABC of Anarchism, p. 80] Quanto mais rápido chegar-se ao comunismo, menores serão as chances do crescimento das desigualdades. 
O sindicalismo é a outra grande vertente do anarquismo social. Os anarco-sindicalistas, como os outros sindicalistas, querem criar um movimento sindical industrial baseado em idéias anarquistas. Defendem a descentralização, sindicatos federados que usam a ação direta para se impor sobre o capitalismo até que estejam suficientemente fortes para abolí-lo. Sob os mais variados aspectos o anarco-sindicalismo em muito se assemelha ao anarco-coletivismo. O anarco-sindicalismo assume uma grande importancia no que diz respeito ao trabalho anarquista dentro dos movimentos de trabalhadores e na criação de sindicatos que serão uma amostra do futuro livre da sociedade. 
Mesmo sob o capitalismo, os anarco-sindicalistas procuram criar "livres associações de livres produtores." De forma que essas associações funcionariam como "uma escola prática de anarquismo" e levam muito a sério as palavras de Bakunin de que as organizações de trabalhadores precisam criar "não apenas idéias mas também fatos do próprio futuro" neste período pré-revolucionário. 
Tanto os anarco-sindicalistas, como todos os anarquistas sociais, "estão convencidos de que a ordem econômica socialista não pode ser criada por decretos e estatutos de um governo, mas apenas pela colaboração solidária dos trabalhadores com seus braços e cérebros voltados especialmente para a produção; isto é, que tudo funcione de tal forma que os produtores possam assumir o papel de gestores de todos os planos e que eles mesmos sejam os responsáveis pelos destinos das indústrias e pelas decisões dos organismos econômicos, direcionando sistematicamente a produção e a distribuição dos produtos no interesse das comunidades com base no livre acordo mútuo". [Rudolf Rocker,Anarcho-syndicalism, p. 55] 
As diferenças entre sindicalistas e outros anarquistas sociais revolucionários é mínima e gira em torno de questões relativas a sindicatos anarco-sindicalistas. Os anarquistas coletivistas concordam que a construção de sindicatos libertários é importante e que um trabalho em meio ao movimento dos trabalhadores é essencial no sentido de "desenvolver e organizar . . . o poder social das massas de trabalhadores." [Bakunin, Michael Bakunin: Selected Writings, p. 197] 
Os comunistas anarquistas em geral tem conhecimento da importancia do trabalho no meio operário mas acreditam em organizações sindicalistas enquanto criadas por trabalhadores em luta, de tal forma que consideram o "espirito da revolta"como mais importante que a simples fundação de sindicatos e filiação de trabalhadores a eles. Também não dão muita importancia ao local de trabalho, considerando que a luta travada ali dentro assume importancia igual a qualquer outra luta contra a hierarquia e a dominação fora do posto de trabalho (a maioria dos anarco-sindicalistas concorda com isso, todavia, trata-se apenas de uma questão de ênfase). Alguns anarco-comunistas acham que o movimento operário é reformista por natureza e se recusam a colaborar com ele, mas são uma pequena minoria. 
Tanto comunistas quanto anarquistas coletivistas reconhecem a necessidade dos anarquistas juntos formarem uma organização anarquista. Eles acham essencial que os anarquistas trabalhem juntos como anarquistas para clarear e transmitir suas idéias aos outros. Os sindicalistas são de grande importancia dentro dos grupos anarquistas e federações, defendendo que sindicatos industriais e comunitários são auto-suficientes. Os sindicalistas acreditam que os anarquistas e o movimento sindical podem se fundir em um só, embora a maior parte dos anarquistas não concordem. Os não-sindicalistas apontam para a natureza do sindicalismo e proclamam a necessidade de sindicatos revolucionários, e que os anarquistas precisam participar deles como parte de um grupo anarquista ou federação. A maior parte dos não sindicalistas consideram a fusão do anarquismo e do sindicalismo um suporte potencial para a confusão que resulta em que nem um nem outro funcione corretamente. 
Na prática, alguns anarco-sindicalistas rejeitam totalmente a necessidade de uma federação anarquista, enquanto que outros anarquistas são totalmente anti-sindicalistas. Todavia, Bakunin foi o inspirador tanto das idéias anarco-comunistas como anarco-sindicalistas, da mesma forma que Kropotkin, Malatesta, Berkman e Goldman, todos simpáticos às idéias dos movimentos anarco-sindicalistas. 
Para consultas futuras sobre os mais variados tipos de anarquismo social, recomendariamos o seguinte: o mutualismo é geralmente associado com as palavras de Proudhon, o coletivismo com Bakunin, o comunismo com Kropotkin, Malatesta, Goldman e Berkman. O sindicalismo difere no sentido de que é mais o produto da luta dos trabalhadores do que obra de nomes "famosos" (embora hajam acadêmicos do naipe de um George Sorel considerado o pai do sindicalismo, embora tenha escrito sobre o movimento sindical quanto ele já existia). De qualquer forma, Rudolf Rocker é por muitos considerado como o principal teórico do anarco-sindicalismo e as obras de Fernand Pelloutier e Emile Pouget são essenciais para a compreensão do anarco-sindicalismo. A excelente antologia No Gods No Masters de Daniel Guerin faz uma abrangente explanação sobre o desenvolvimento do anarquismo social na forma de uma leitura bastante agradável.
http://cirandas.net/anarquismo/faq-anarquista/introducao/quantos-tipos-de-anarquismos-existem

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