terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O que pretende o anarquismo? (5)

O QUE SIGNIFICARÁ E O QUE SE OBTERÁ COM A ABOLIÇÃO DA HIERARQUIA?

A criação de uma nova sociedade baseada em organizações libertarias terá um incalculavel efeito na vida diária. O fortalecimento de milhões de pessoas transformará a sociedade de uma forma que hoje em dia apenas podemos imaginar. Contudo, há muitos que consideram estas formas de organização impraticaveis e condenadas ao fracasso.
Contra os que dizen que tais organizações não autoritarias, confederadas, somente causarão confusão e desunião, os anarquistas sustentam que a forma de organização estadista, centralizada e hierárquica produz indiferença em vez de compromisso, dureza de coração em lugar de solidariedade, uniformidade em vez de unidade, e elites privilegiadas em lugar de igualdade. Mais importante, tais organizações destroem a iniciativa individual e a ação independente e o pensamento crítico. (Mais sobre hierarquia, ver a Seção B.1 "Por quê os anarquistas são contra a autoridade e a hierarquia" e seções afins).
Que  a organização libertária é capaz de funcionar e se baseia (e fomenta) na liberdade se demonstrou no movimento anarquista espanhol. Fenner Brockway, secretario do Independent Labour Party britânico, visitando Barcelona durante a revolução de 1936, notou que "a grande solidaridade que existia entre os anarquistas se devia a que cada individuo dependía de suas proprias forças e não de liderança ... As organizações devem, para ter êxito, ser combinadas com gente de pensamento livre; não uma massa, mas individuos livres" [citado por Rudolf Rocker, Anarcosindicalismo, p. 58]
Como já foi demonstrado abundantemente, as estruturas centralizadas limitam a liberdade. Como Proudhon anotou: "o sistema centralista é muito bom com relação ao tamanho, à simplicidade e à construção; lhe falta apenas uma coisa -- o individuo deixa de pertencer-se a si mesmo em tal sistema, não pode apreciar seu proprio valor, sua vida, e ninguem se dá conta dele" [citado en Paths in Utopia, Martin Buber, p.33].
Os efeitos da hierarquia podem ser vistos ao derredor. Não funciona. A hierarquia e a autoridade existem por todas as partes, no trabalho, em casa, na rua. Como disse Bob Black, "Se passas a maior parte de tua vida recebendo ordens ou beijando cús, se te costumas à hierarquia, te converterás em passivo-agressivo, sado-masoquista, servil e estúpido, e levarás esse peso a todos os aspectos do resto de tua vida." [The Libertarian as Conservative].
Isto significa que o fim da hierarquia trará consigo uma transformação massiva na vida cotidiana. Implicará a criação de organizações centradas no individuo dentro das quais todos poderão exercitar suas habilidades ao máximo.
Somente a autodeterminação e o livre acordo em cada nivel da sociedade poderá desenvolver a responsabilidade, a iniciativa, a inteligencia e a solidariedade dos individuos e a completa sociedade. Unicamente uma organização anarquista permite acesso e utilização do vasto talento que existe dentro da humanidade, enriquecendo a sociedade atraves do mesmo processo que enriquece e desenvolve o individuo. Somente envolvendo a todos no processo de imaginar, planejar, coordenar e implementar as decisões que os afetan poderá florescer a liberdade e poderá desenvolver-se e ser protegida a individualidade. A anarquia desatará a creatividade e o talento das massas populares escravizadas pela hierarquia.
A anarquia beneficiará inclusive aqueles que dizem beneficiar-se pelo capitalismo e suas relações autoritarias. Os anarquistas "sustentam que ambos, os que mandam e os que são mandados são deformados pela autoridade; ambos, exploradores e explorados são estropiados pela exploração" [Piotr Kropotkin, Act for Yourself, p. 38] É assim porque "em qualquer relação hierárquica o que domina tanto quanto o dominado pagam um preço. O preço pago pela 'glória de mandar' é verdadeiramente pesado. Cada tirano se ressente de suas obrigações. Ele está condenado a arrastar o peso morto do dormente potencial criativo de seus subordinatos pelo caminho de sua incursão hierárquica" [The Right to be Greedy, For Ourselves].

POR QUE OS ANARQUISTAS SÃO A FAVOR DA DEMOCRACIA DIRETA?

Para os anarquistas, o voto democrático direto sobre decisões políticas dentro das associações livres é o contraponto político do livre acordo. A razão é que "muitas formas de dominação podem ser empreendidas de 'uma maneira ...livre, não-coercitiva ... e é ingenuo ... pensar que a mera oposição ao controle político em sí nos levará ao final da opressão" [John P. Clark, Max Stirner's Egoism, p.93].
Uma vez que uma pessoa se associa a uma comunidade ou a um posto de trabalho, ele ou ela se converte em um/uma "cidadã" (por falta de melhor palavra) dessa associação. A associação se organiza em torno de uma assembleia de todos seus membros (no caso de grandes centros de trabalho e aglomerações, este pode ser um sub-grupo funcional como uma fábrica ou um bairro). Nesta assembleia, em acordo com outras, se define o conteúdo de suas obrigações políticas. Atuando dentro da associação, as pessoas exercem juizos críticos e escolhem, ou seja, gerenciam
suas atividades. Isso significa dizer que a obrigação política não se restringe a uma entidade aparte e acima do grupo ou sociedade, tal como o estado ou a empresa, sem os "concidadãos".
Mesmo que o povo em assembleia legisle coletivamente as regras que governam sua associação, e estão sujeitos a elas como indivíduos, tambem são superiores a elas no sentido de que essas regras sempre podem ser modificadas ou abolidas. Coletivamente, os "cidadãos" associados constituem a autoridade política, mas como esta autoridade está baseada em relações horizontais entre eles e a elite, a "autoridade" é não-hierárquica ("racional" ou "natural", ver Seção B.1 "Por quê os
anarquistas são contra a autoridade e a hierarquia").
Claro que se poderia alegar que se estás em minoria, serás governado por outros. Contudo, o conceito de democracia direta tal como descrevemos não está necessariamente ligado ao conceito de governo da maioria. Se alguns se encontram em minoria em uma votação particular, essa pessoa tem então que escolher se consente ou se nega a reconhecer a decisão como obrigatória. Negar à minoria a oportunidade de exercer seu juízo e sua escolha é infringir em sua autonomia e impor-lhe uma obrigação que não aceitou livremente. A imposição à força da vontade maioritaria é contrária ao ideal da obrigação auto-assumida, e por isso é contrária à democracia direta e à livre associação. Portanto, longe de ser uma negação da libertade, a democracia direta dentro do contexto da livre associação e a obrigação auto-asumida é a única maneira de alimentar a liberdade. Alem do mais, uma minoria, se permanece dentro da associação, pode apelar seu caso e tratar de convencer a
maioria de seu erro.
Os laços entre as associações seguem o mesmo modelo que as associações. Em vez de individuos unidos em uma associação, temos associações unidas em confederações. Os enlaces entre associações dentro de uma confederação são da mesma natureza horizontal e voluntária que nas associações, com os mesmos direitos de "voz e saida" de seus membros. O funcionamento de tal confederação se perfila na Seção A.2.9 (Quê tipo de sociedade desejam os anarquistas?) e se discute em maior detalhe na Seção I(Como o anarquista gostaria que fosse a sociedade?).
 

O CONSENSO É UMA ALTERNATIVA À DEMOCRACIA DIRETA?

O consenso, embora constitua a "melhor" opção para a tomada de decisões, visto que todos estão de acordo, também tem seus problemas. Como aponta Murray Bookchin ao descrever suas experiencias de consenso, este pode ter consequencias autoritarias, já que "para... criar pleno consenso em uma decisião os dissidentes minoritarios são muitas vezes sutilmente pressionados ou psicologicamente forçados a declinar seu voto em um assunto problemático, visto que sua dissidencia constituiria o veto por uma pessoa. Esta prática, chamada 'ficar de lado' no processo de consenso americano, muitas vezes acarreta a intimidação dos dissidentes, até ao ponto de se subtrair por completo o processo de tomada de decisões, antes de fazer uma honrosa e continuada expressão de seu desacordo com o voto, inclusive como minoria, de acordo com seus pontos de vista. Havendo-se retirado, sacrificando sua identidade política, para que possa tomar-se uma decisão. . . O consenso se obteve finalmente
apenas depois que os membros dissidentes se anulassem como participantes no processo.
"A nivel mais teórico, o consenso silenciou o aspecto mais vital do diálogo, a dissensão. A dissensão em curso, o diálogo apaixonado que ainda persiste inclusive depois que a minoria acede temporariamente à decisão maioritaria, ...[pode ser] substituido  ... por enfadonhos monólogos, e pelo apolêmico e soporífero tom do consenso. Na tomada de decisões maioritarias, a minoria derrotada pode entrar com um recurso para anular uma decisão na qual haviam sido derrotados; são livres para articular persistente e abertamente desacrodos razoaveis e potencialmente persuasivos. O consenso, por sua parte, não honra nenhuma minoria, as emudece a favor do "uno" metafísico do "grupo consensual" ["What Is Communality: The Democratic Dimension of Anarchism].
Bookchin não "nega que o consenso possa ser uma forma apropriada de tomada de decisões em pequenos grupos de pessoas que estão muito familiarizados uns com os outros". Ainda assim nota que na prática, sua experiencia lhe ensinou que "quando grupos maiores resolvem tomar decisões atraves do consenso, geralmente são forçados a tirar o mais baixo denominador comum intelectual ao domar decisões: a menos polêmica ou inclusive a mais medíocre das decisões que uma assembleia de certo tamanho pode alcançar é a aceita, precisamente porque cada um tem que estar de acuerdo com ela do contrario tem que abster-se de votar no assunto" [Op. Cit.]
Por conseguinte, devido à sua natureza potencialmente autoritaria, os anarquistas em geral negam que o consenso seja o espectro político da livre associação. Embora seja vantajoso tratar de chegar a um consenso, em geral não é prático faze-lo, especialmente em grupos grandes, sem olhar seus outros efeitos negativos. Muitas vezes rebaixa uma sociedade ou livre associação com sua tendencia a subtrair a individualidade em nome da comunidade e a dissenção em nome da solidariedade. Nem a verdadeira comunidade nem a solidariedade evoluem quando o desenvolvimento do individuo e sua auto-expressão são abortados pela censura e pela pressão pública. Pelos individuos serem únicos, eles tambem tem pontos de vista únicos, cuja expressão deveria ser alentada. Agindo assim eles fazem com que a sociedade evolua e seja enriquecida pelas ações e pelas ideias do individuo.

http://cirandas.net/anarquismo/faq-anarquista/introducao/o-que-pretende-o-anarquismo

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